Artes/cultura
21/10/2021 às 07:00•3 min de leitura
Desde meados de 1526, a escravidão era praticada na América do Norte, com os africanos chegando aos Estados Unidos (EUA) por meio das mãos de espanhóis que os transportaram. No entanto, a indústria do tráfico negreiro conheceu seu apogeu a partir de 1700, quando o país se viu economicamente dependente do trabalho escravo para continuar prosperando.
Não é para menos que os EUA foram construídos "nas costas" desses homens e dessas mulheres, que foram torturados e mortos por pessoas brancas. Hoje, a escravidão é chamada de "o pecado original da América", deixando raízes tão profundas que ainda fazem parte da modernidade.
Em questão estatística, uma pesquisa feita pelo Pew Research Center, realizada em janeiro de 2019, indicou que 63% das pessoas negras acreditam que o legado da escravidão afeta sua posição na sociedade americana.
(Fonte: The Atlantic/Reprodução)
“Nós vivemos isso. Hoje, na América, não somos livres. Estamos sobrecarregados por uma história de desigualdade racial e injustiça. Isso nos compromete e restringe. O legado criou uma sombra que mina muitos de nossos melhores esforços para chegar a algo que pareça justiça”, escreveu o advogado e ativista Bryan Stevenson em entrevista ao TED-ED, em 2017.
Para ele, o grande mal da escravidão foi a narrativa da diferença racial, baseada na ideologia da supremacia branca criada para fazer todos se sentirem confortáveis em meio a essa situação de violência e exploração.
Algumas pessoas acreditam que a sociedade um dia evoluirá a tal ponto que esse legado não diminuirá mais os negros, adquirindo o caráter de uma folha manchada no "livro" da história de uma sociedade involuída. Outros, porém, discordam disso.
Mas e se a escravidão nunca tivesse existido? Será que teria mudado algo se as pessoas que fundaram e colonizaram os EUA, por exemplo, tivessem decidido desde o início que a prática é imoral e ilegal?
(Fonte: USA Today/Reprodução0
Nos EUA, se a indústria de escravizados africanos não tivesse existido, tanto nos estados do Norte quanto do Sul, fazendas em pequena escala teriam prosperado, visto que não haveria escravizados para fazer grandes plantações crescerem a ponto de tornarem seus proprietários imensamente ricos. Porém, ainda assim, o Sul se separaria e formaria a própria nação. Portanto, hoje existiria três países na América do Norte: Canadá, Estados Unidos e Estados Confederados.
De acordo com Earl Watt, em um artigo da Liberal First, o racismo ainda existiria, mesmo que em uma escala extremamente menor do que hoje e sem todo um histórico de supremacia branca estrutural. Visto que o país teria uma pequena população negra pela falta de descendentes africanos, Watt sugere o Canadá e o México como exemplos, lugares onde não houve escravidão e têm pequenas populações negras.
Em ambos os países, a diferença racial sempre existiu, até mesmo antes de a rede de ódio contra os negros ser globalizada, porém em menor escala do que nos EUA. Além disso, o preconceito não teria desaparecido em outros contextos que não envolvem a etnia dessas pessoas, como religião, cultura, identidade e classe social. Segundo o Alternate History Hub, de qualquer forma, os americanos encontrariam motivos para se odiarem.
(Fonte: Toda Matéria/Reprodução)
Além do viés social, o impacto econômico da falta do comércio de escravizados no Novo Mundo seria imenso. A riqueza colonial, que prosperou em muitas ilhas do Caribe povoadas por escravizados que trabalhavam em campos de cana-de-açúcar, teria que vir de outro lugar.
No século XVII, a política externa do mundo era alimentada pelos lucros do açúcar extraído da cana por escravizados. Os lucros do ciclo da cana-de-açúcar serviram para proporcionar o boom econômico de vários países, bem como proporcionou o avanço da tecnologia — já que era o produto considerado mais tecnológico da época, requerendo maquinário e habilidades de engenharia mecânica cada vez mais moderna para manter a produção em alta. Sem a escravidão para mexer essas engrenagens, a Revolução Industrial poderia nem ter acontecido.
A falta do ciclo de açúcar teria mantido o Brasil como uma colônia menor, afetando o mundo inteiro. Mas, enquanto a escravidão significou prosperidade para quem se beneficiou dela, também desvalorizou o trabalho braçal. Naquele tempo, os brancos eram os intelectuais que montavam tudo, e os negros apenas operavam, o que era considerado um trabalho "degradante".
(Fonte: Live Journal/Reprodução)
No Brasil Colônia, o prestígio estava nas mãos de quem se mantinha longe de ofícios braçais. É provável que o Brasil de hoje, que despreza o serviço braçal que constitui a sociedade, seja herança da escravidão. Se a prática não tivesse existido, possivelmente os serviços manuais seriam mais bem remunerados e vistos.
As desigualdades geradas pela restrição de direitos asseguradas na constituição jamais teriam existido. As cotas e os programais sociais do governo seriam revertidos para outras demandas que não para reparação histórica, na tentativa de proporcionar a equidade em processos de empregos e vagas universitárias para aqueles que ainda semeiam o legado da escravidão.
A inferioridade racial que estruturou a prática ganhou uma falsa sensação de cidadania durante o século XIX. A Constituição Brasileira de 1824, por exemplo, apontava serem cidadãos brasileiros nascidos no Brasil, livres ou libertos, mas somente os nascidos livres que podiam votar. A Lei de Terras de 1850 também aumentou muito o preço das propriedades para impedir que negros adquirissem lotes de terras em pequenas ou médias porções.
O então ministro de Dom Pedro I, José Bonifácio de Andrada, almejava um Brasil sem escravidão logo que o país se tornou independente de Portugal. Ele sabia que o fim da prática levaria ao fim da violência, ignorância e miséria, tornando, enfim, o brasileiro apto para a cidadania. Mas, infelizmente, não foi nada disso que aconteceu.