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03/03/2023 às 13:00•3 min de leitura
O autointitulado coach de masculinidade Thiago Schutz e seu "Manual Red Pill" viralizaram nas redes sociais, durante o mês de fevereiro. Tudo começou com um vídeo em que ele contava a história de um encontro com uma moça que lhe ofereceu uma cerveja, enquanto ele tomava o aperitivo italiano Campari — o que, segundo Schutz, seria uma tentativa de moldá-lo.
A história do "calvo do Campari" provavelmente não passaria de uma piada se Schutz — cujo sobrenome verdadeiro é Schoba — não tivesse ameaçado a atriz Lívia La Gatto, que fez uma esquete satirizando a cena. Nas mensagens, o coach afirma que, se a atriz não retirasse seu conteúdo do ar, ele resolveria com "processo ou bala".
Ele até tentou oferecer uma retratação, dizendo que não ameaçou Lívia. Mas até aí, a história já tinha tomado outras proporções — e muitas pessoas começaram a ser perguntar o que, afinal, é esse tal de "manual red pill".
Em entrevista ao podcast "O Assunto", do G1, a cientista política Bruna Camilo conta que ficou infiltrada em grupos masculinistas para entender seus termos e discussões. A maior parte das mensagens tem teor claramente misógino e baseado em teorias da conspiração.
A misoginia é um sentimento de aversão ao que é feminino, em conjunto com uma ideia de superioridade masculina. Parece um contrassenso, mas isso é frequente em homens que se dizem heterossexuais, mas nutrem uma raiva ou sentimento de vingança contra as mulheres, especialmente aquelas que não se comportam como eles esperam.
Os masculinistas ou ativistas pelos "direitos dos homens" se contrapõem às feministas e aos direitos pleiteados por esses movimentos. Nos fóruns, segundo a cientista política, é comum ver mulheres sendo chamadas de "merdalheres" ou "diabolheres". E nem mesmo as mulheres conservadoras estão a salvo das críticas, sendo chamadas de "conservadias".
Bruna explica que o "redpill" (pílula vermelha, em inglês) não é um movimento por si só, mas sim um termo utilizado nesses grupos masculinistas.
O termo faz alusão à icônica cena do filme Matrix, onde o protagonista tem a escolha de tomar a pílula azul e continuar vivendo na ilusão, ou tomar a pílula vermelha e descobrir a verdade.
Diversos movimentos de extrema-direita, que acreditam em teorias da conspiração, usam esse termo para se autoafirmarem como os únicos que "acordaram para a verdade". No contexto do masculinismo, estar "redpillado" seria entender que as mulheres modernas têm privilégios, são interesseiras, controladoras e aproveitadoras.
Logo, para se precaver, os homens devem tratá-las como merecem e ser rigorosos na escolha das mulheres com quem se relacionam — o que o coach diz ensinar em seus cursos. Como diz a cientista política, é a monetização da misoginia.
O mais irônico, como observa uma matéria da BBC sobre o tema, é que Matrix é obra de duas mulheres trans — as irmãs Lana e Lilly Wachowski.
Fonte: Repositório de imagens NZN
Já os incels aparecem em outro contexto — até porque eles nem se relacionam com mulheres, para tentar escolhê-las. Incel é uma sigla, em inglês, para "celibatário involuntário". Ou seja, um homem que se mantém virgem contra a própria vontade.
Para os incels, as mulheres são ruins por não terem interesse neles e não darem o que é deles por direito — basicamente, uma vida sexual ativa. Mas além de mulheres, os incels também têm ódio de outros homens que conseguem ter uma vida normal.
Esse grupo se tornou pauta de discussão há alguns anos, desde que incels estadunidenses cometeram diversos atentados terroristas pelo país, geralmente direcionados a mulheres.
Fonte: Repositório de imagens NZN
Essa é outra ramificação dos movimentos masculinistas, uma sigla para "homens seguindo seu caminho". Eles acreditam que deve haver uma separação completa entre os mundos masculino e feminino. Isso porque, na visão deles, o feminismo corrompeu a sociedade, de tal modo que as mulheres se tornaram perigosas para os homens — que devem se isolar, para se preservar.
Alguns adeptos do MGTOW rechaçam qualquer interação com mulheres, mas outros aceitam buscá-las apenas para encontros sexuais, se isolando no resto do tempo.
Fonte: Repositório de imagens NZN
Os homens alfas, betas e sigmas — de acordo com as letras do alfabeto grego — entram nesse contexto dos coaches de masculinidade, que supostamente vão ensinar como homens devem se comportar com as mulheres.
O alfa, naturalmente, é aquele macho dominante, atraente e que chama atenção; enquanto os betas são homens que se deixam dominar pelas mulheres — ou que simplesmente cooperam, em algumas visões. O sigma seria uma alternativa ao macho alfa: um homem seguro de si, com espírito de liderança, porém mais introspectivo.
O problema é que os homens sigma — que se identificam com emojis de vinho e de moais — se colocam como super-merecedores, que devem ser adorados pelas mulheres. Já elas são separadas em grupos que tem mais ou menos valor. Além disso, a ideologia tem diversos vieses racistas, como mostramos nesse outro artigo sobre o tema.
Em resumo, cada um desses termos é utilizado em contextos diferentes, por grupos distintos, mas que tem uma ideia em comum: a misoginia, guiada por teorias da conspiração e por um sentimento de frustração com o progresso das mulheres na sociedade atual.
O próprio calvo do Campari, que hoje diz que homens não devem se relacionar com mulheres acima dos 30 anos de idade, foi rejeitado por uma mulher de 50 em um reality show da Netflix, lançado em 2020.