Estilo de vida
31/03/2024 às 17:00•2 min de leituraAtualizado em 31/03/2024 às 17:00
Há momentos históricos lembrados pelo seu impacto em outras gerações, mas também pelo estranhamento que despertam.
Sabemos desde muito jovens que há diversas formas de provocar a ira de uma pessoa, por qualquer que seja o motivo, mas há uma regra que costuma permear as relações humanas: quanto mais infantil for o gesto, menor é o risco dele gerar consequências. Mas, no período em que os judeus foram dominados pelos romanos, esse raciocínio não foi sempre aplicado.
Os judeus, assim como outros povos, foram abrangidos pela expansão dos domínios do Império Romano, que durante o primeiro século estava além do sul da Europa, passando pelo norte da África e em porções do Oriente Médio que eram mais próximas ao contorno do mediterrâneo, incluindo a cidade de Jerusalém.
Os povos dominados não viam os romanos com bons olhos, mas para muitos deles não havia escolha a não ser tolerar os soldados, pagar impostos e acatar as ordens recebidas. Ainda assim, apesar do poder ser dado como garantido, alguns eventos mostravam o ar de animosidade que se propagava no dia a dia.
Segundo o relato do antigo historiador Flávio Josefo, poucos anos antes que Nero assumisse o poder e a instabilidade do Império se tornasse evidente, ocorria um evento em Jerusalém. E ali, próximo ao templo da cidade, um soldado romano se virou de costas, deixou suas nádegas à mostra e disparou palavras ofensivas – tudo isso para apreciação dos judeus, que estavam em grande número.
Essa provocação universal, ou melhor, esse peido, foi levado bem a sério. Em questão de instantes, um grande confronto ganhou forma – mais um dos muitos ocorridos naquele primeiro século, vale dizer. Nesse relato, em específico, fica evidente que aquele dia foi terrível. Foi como se Marte, o deus da guerra, tivesse lançado uma faísca.
"Com isso, toda a multidão ficou indignada e pediu a Cumano (governador romano) para que ele punisse o soldado; enquanto a parte mais imprudente da juventude, aquela que era naturalmente a mais tumultuada, começou a lutar, pegou pedras e as jogou nos soldados. Cumano temeu que todo o povo o atacasse, e mandou chamar mais homens armados."
Flávio Josefo ainda detalha como tudo acabou: "os judeus ficaram muito consternados; e sendo expulsos do templo, correram para a cidade; e a violência com que se aglomeraram para sair foi tão grande que se atropelaram uns aos outros e se apertaram, até que dez mil deles foram mortos, de modo que esta festa dos pães ázimos se tornou motivo de luto para toda a nação."
Ou seja, o que ficou registrado para a posteridade é espantoso: pelo menos dez mil pessoas acabaram mortas a partir dessa provocação — o que, dentro de um ponto de vista absurdo, mas não de todo errado, torna esse o peido mais mortal da história. Isoladamente, esse "estopim", considerado cômico por tantas vezes, desdobrou-se num episódio de terror generalizado.
De toda forma, trata-se de um acontecimento bastante infeliz que mostra como o domínio pelos romanos definitivamente não foi aceito pelos judeus. Mesmo durante um dos momentos em que o Império apresentou sua maior extensão territorial, em meio a tensões que se acumulavam, qualquer gesto poderia gerar efeitos desastrosos.