Ciência
05/02/2015 às 13:09•3 min de leitura
Não pense você que no período que antecedeu a Segunda Guerra Mundial — e durante o conflito — os nazistas se limitaram a fazer alianças rentáveis com gigantes da indústria química, automobilística, alimentícia e de desenvolvimento tecnológico. Adolf Hitler e seus seguidores também mantiveram uma perturbadora colaboração com os principais estúdios de Hollywood, conforme você vai poder conferir neste episódio da série Aliados do Nazismo.
Os alemães adoravam ir ao cinema, e Hollywood tinha no país um de seus maiores mercados para a exportação de filmes. Adolf Hitler mesmo era um cinéfilo inveterado — tanto que o Fürher tinha uma sala de exibição particular na chancelaria e quase todas as noites assistia a um longa acompanhado de seus seguidores mais próximos.
Hitler era particularmente fã de “O Gordo e o Magro” — cujos filmes, em sua opinião, eram repletos de piadas inteligentes e ótimas ideias — e simplesmente adorava Mickey Mouse. Entretanto, mais do que ser um grande devoto da sétima arte, o Fürher via o cinema como mais do que uma simples forma de entretenimento. Hitler compreendia o poder de sedução dos filmes de Hollywood e como eles podiam ser usados como ferramenta de persuasão.
Cena de “Nada de Novo no Front”, baseado no livro de Erich Maria Remarque
Tudo começou depois de um incidente em 1930, durante a primeira exibição do filme “Nada de Novo no Front” — baseado no livro de Erich Maria Remarque — em um cinema de Berlin. O longa transmitia uma mensagem nada patriótica dos soldados alemães, o que irritou bastante a plateia nazista e obrigou o operador do projetor a interromper a película.
Entre os espectadores estava Joseph Goebbels, o ministro da propaganda de Hitler, que reagiu violentamente ao filme e fez um acalorado discurso que provocou fortes manifestações entre seus companheiros de partido. A confusão armada acabou levando o longa a ser banido da Alemanha, e a Universal — estúdio responsável pela produção do filme—, com medo de perder os lucros com a bilheteria, concordou em editar o longa e relançá-lo em todo o mundo.
Dois anos depois do incidente, uma lei que regulamentava a distribuição de material cinematográfico com conteúdo “anti-Alemanha” foi aprovada e, como as bilheterias germânicas rendiam um bocado de dinheiro, os maiores estúdios de Hollywood concordaram em não retratar o país de maneira desfavorável — e em omitir a perseguição aos judeus e, sempre que possível, inclusive evitar a menção a eles nos filmes.
Basicamente, os nazistas não queriam ser vistos como vilões e passaram a vigiar de perto tudo o que saía de Hollywood — e os chefões dos estúdios passaram a produzir filmes segundo as determinações dos seguidores de Hitler.
Assim, a partir de 1933, depois de o Führer subir ao poder, o ex-diplomata Georg Gyssling — que era membro do Partido Nazista — recebeu a missão de monitorar e vetar qualquer filme produzido em Hollywood que pudesse manchar a imagem da Alemanha perante o resto do mundo. Para isso, Gyssling examinava projetos, assistia aos filmes e determinava quais cenas podiam ou não podiam ser incluídas.
Para melhorar o relacionamento com os alemães, diversas produtoras — como a Paramount, a Columbia e a Fox — demitiram seus funcionários judeus. Além disso, os estúdios não só concordaram com a censura imposta pelos nazistas, cancelando dezenas de projetos por conta da pressão exercida pelos homens de Hitler, como cooperaram ativamente com o esforço do regime em espalhar sua ideologia pelo mundo, produzindo material que podia ser inserido em sua propaganda.
E mais: como Terceiro Reich não permitia que o lucro de companhias estrangeiras saísse da Alemanha, em 1938, a MGM decidiu investir o dinheiro que ficava com as subsidiárias alemãs na fabricação de armas que foram usadas pelos nazistas. Como se não bastasse, Goebbels, o ministro da propaganda de Hitler, teria sugerido que o chefe da MGM no país, Frits Strengholt, se divorciasse de sua esposa judia, e, segundo os relatos, a pobre mulher teria sido enviada a um campo de concentração.
Cena de "O Ditador", com Chaplin
A “colaboração” durou entre 1933 e 1939, e foram raríssimos os personagens judeus que apareceram nos filmes de Hollywood nessa época. Depois disso, incluindo o período que antecedeu a entrada dos EUA na guerra (em 1941), os estúdios produziram inúmeros longas antinazistas — como “O Grande Ditador”, de 1940, e “Casablanca”, de 1942 —, mas demorou bastante até que as produtoras começassem a tocar na questão do Holocausto.
Existem muitas evidências — como documentos, correspondências e artigos de jornal — que comprovam a ligação dos dirigentes dos estúdios de Hollywood com os nazistas, e o que torna tudo isso tragicamente irônico é que a grande maioria das produtoras era comandada por imigrantes judeus.
O fato é que os diretores dos estúdios podiam ter se recusado a seguir as regras ditadas pelos nazistas e escolheram obedecer suas determinações. Além disso, eles podiam ter apoiado os seus próprios produtores e ter ajudado a alertar o público — de todo o planeta — a respeito das atrocidades que estavam sendo cometidas contra os judeus e outros prisioneiros de guerra e, também, preferiram ficar quietos.
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