Ciência
30/07/2017 às 02:00•4 min de leitura
Os estudos com humanos – seja para o teste de novos medicamentos e vacinas, desenvolvimento de tratamentos e técnicas cirúrgicas ou para compreender melhor o funcionamento do organismo, por exemplo – são controlados por um sem fim de normas rígidas e protocolos. Tudo isso não só assegura a segurança e a integridade dos participantes, como garante que os experimentos sejam conduzidos de maneira científica e ética.
Ademais, dessa forma, os dados podem ser coletados de acordo com uma metodologia específica que permite que os resultados possam ser analisados detalhadamente e replicados por outros pesquisadores. Pois, durante a Segunda Guerra Mundial, os nazistas aproveitaram a gigantesca disponibilidade de prisioneiros nos campos de concentração e optaram por ignorar as normas de conduta e conduzir toda classe de barbaridade em nome da Ciência.
Órgãos humanos removidos de prisioneiros dos campos de concentração nazistas
Os nazistas realizaram experimentos nas áreas de resistência humana, fertilidade, medicina do campo de batalha, técnicas cirúrgicas, eugenia e uso de medicamentos, entre outros, mas, será que seus estudos macabros realmente contribuíram de alguma forma para a medicina moderna? Primeiro, vamos às pesquisas mais representativas:
Um dos estudos, conduzido em Dachau pelo médico nazista Sigmund Rascher, envolveu a participação de cerca de 300 prisioneiros que foram colocados — alguns nus e outros vestidos com os uniformes dos pilotos alemães — em água gelada durante períodos que variavam entre 2 e 5 horas para simular as condições do Mar do Norte quando os aviadores da Luftwaffe eram abatidos por lá.
O médico media a temperatura dos participantes inserindo termômetros em seus retos e anotava todas as variações e reações físicas cuidadosamente em tabelas detalhadas. Os experimentos foram repetidos centenas de vezes, e Rascher empregou diversos métodos para reaquecer as vítimas de hipotermia com o propósito de descobrir qual era o mais eficaz.
Rascher concluiu, por exemplo, que o ato sexual trazia melhores resultados do que a hidrocolonterapia — ou introdução de líquidos pelo ânus — com substâncias quentes. A maioria dos prisioneiros morreu durante o estudo.
Outro experimento conduzido em Dachau tinha como objetivo compreender os efeitos da exposição a condições de grandes altitudes e baixa pressão, já que os pilotos de teste da Luftwaffe estavam voando mais alto do que nunca.
Assim, para testar os efeitos da baixa pressão, os nazistas penduravam os prisioneiros em equipamentos de paraquedismo e os fechavam no interior de câmaras isobáricas. Cerca de 200 pessoas participaram dos experimentos e, enquanto muitas foram lacradas acordadas, outras tantas foram colocadas nos tanques de pressão inconscientes para simular as condições nas quais os pilotos desmaiavam em pleno voo.
Diversos prisioneiros chegaram a cravar as unhas no rosto e a mastigar os lábios e a língua conforme mais ar comprimido ia sendo forçado no interior das câmaras, e alguns deles tiveram o cérebro examinado enquanto ainda permaneciam vivos. Em realidade, de todos os participantes nos experimentos, apenas oito morreram durante os testes — mas todos foram executados ao final dos estudos.
Também conduzido em Dachau, o estudo sobre desidratação envolveu a participação de 90 ciganos — que foram isolados em uma área restrita e proibidos de beber água potável. O médico responsável pelos experimentos se chamava Hans Eppinger, e o objetivo era descobrir quantos dias um marinheiro nazista poderia sobreviver em alto-mar consumindo apenas água salgada.
Poucos dias após o início dos testes, depois de o piso ser limpo por outros prisioneiros, os participantes foram vistos lambendo o chão em uma tentativa desesperada de absorver alguma umidade. Além disso, Eppinger também observou que a morte por desidratação se assemelha à rápida falência renal e que os participantes não eram capazes de sobreviver por 12 dias apenas consumindo água salgada — algo totalmente previsível.
O campo de concentração de Ravensbruck serviu de palco para testes com as sulfonamidas, um tipo de antibiótico que, na década de 40, ainda era pouco conhecido. Então, para entender melhor sua ação e os efeitos colaterais, os médicos nazistas abriam enormes cortes nos corpos dos prisioneiros e esfregavam pó de serra, vidro moído ou qualquer material contaminado nas feridas abertas.
Como se fosse pouco, os oficiais estancavam vasos sanguíneos — ou simplesmente os cortavam — para simular quadros de gangrena e evitavam que os machucados cicatrizassem. Os prisioneiros tinham uma ferida tratada com os antibióticos e, então, eram submetidos a mais uma sessão de testes, e assim sucessivamente até que faleciam e seus corpos eram dissecados para os médicos estudarem a ação dos medicamentos.
Os nazistas também realizaram testes com novos remédios e vacinas contra malária, tuberculose e febre tifoide — nos quais milhares de pessoas foram infectadas com as doenças e acabaram morrendo. Outro costume dos oficiais era envenenar os prisioneiros e testar projéteis cobertos com substâncias tóxicas para descobrir seu grau de mortalidade.
Não é segredo que Joseph Mengele, de quem já falamos aqui no Mega Curioso, tinha um interesse especial por gêmeos — e ele realizou experimentos nos quais infectava um dos irmãos, matava o outro em seguida para poder realizar as necropsias ao mesmo tempo e costurava as duplas para criar “siameses”.
Mas o “Anjo da Morte” também liderou um projeto que visava aumentar o número de nascimentos múltiplos entre arianos e ainda fez pesquisas com o objetivo de desenvolver métodos de esterilização em massa. Assim, os nazistas submetiam prisioneiros dos campos de concentração a cirurgias para remoção de úteros e ovários, vasectomias e castrações — tudo sem anestesia — ou os expunham a altas doses de radiação para torná-los estéreis.
Além dessas técnicas, muitas mulheres receberam injeções de compostos que provocavam fortes sangramentos vaginais e câncer de colo de útero, além da esterilização — hoje os cientistas acreditam que as prisioneiras podem ter sido injetadas com nitrato de prata ou iodo.
Os médicos nazistas usaram os prisioneiros dos campos de concentração para conduzir pesquisas em cirurgia e trauma, fizeram diversas tentativas de transplantes — de órgãos, ossos, membros, nervos e músculos — entre “pacientes” aleatórios e também submeteram os coitados a queimaduras para testar novos tratamentos e técnicas relacionadas com enxertos de tecidos.
Evidentemente, os estudos realizados pelos nazistas são vistos atualmente como incrivelmente antiéticos e atrozes. E, embora os oficiais tenham conduzido experimentos em todas as áreas que descrevemos acima, poucos médicos seguiram metodologias científicas, e boa parte das anotações não fazem o menor sentido.
Isso significa que os resultados da grande maioria dos experimentos são considerados inúteis e cientificamente duvidosos, sem falar que muitos dos estudos simplesmente replicam testes que já haviam sido realizados anteriormente. Além disso, nenhuma das pesquisas realizadas nos campos de concentração pode ser repetida por outros cientistas — por razões óbvias —, portanto é impossível verificar a validade dos experimentos nazistas.
O único trabalho da época que — apesar dos pesares e de muita polêmica — teve alguma serventia foi o estudo sobre hipotermia realizado em Dachau. Os experimentos foram citados por dezenas de cientistas e são considerados como uma das pesquisas mais detalhadas sobre os estágios finais de hipotermia em seres humanos.
Estudo sobre hipotermia
O estudo foi usado na criação de roupas de sobrevivência para barcos pesqueiros que navegam por águas geladas e no desenvolvimento de técnicas de salvamento de vítimas de hipotermia. No entanto, todos os demais experimentos torturantes não têm praticamente nenhum valor científico, o que significa que milhares de inocentes foram torturados, sofreram atrocidades inimagináveis e perderam suas vidas por nada.
*Publicado em 15/03/2016