
Ciência
24/02/2012 às 13:38•3 min de leitura
Eliana em evento de moda brasileiro. Fonte: Getty Images
Depois de lutar durante seis anos contra um câncer pulmonar, a empresária Eliana Tranchesi, de 56 anos, faleceu na madrugada desta sexta-feira (24), no Hospital Albert Einstein (São Paulo). Ela esteve durante anos à frente da loja sofisticada paulista Daslu, e teve o estado de saúde piorado por uma pneumonia.
A perda deixa o mercado de luxo brasileiro de luto. Independente das denúncias de sonegação de impostos feitas pela Operação Narciso, Eliana foi a responsável por trazer ao Brasil os artigos das principais grifes internacionais, em uma época em que poucos reconheciam o potencial do país para as vendas desse tipo de produtos.
Daslu: a loja que vestiu a elite brasileira
As histórias de Eliana e da Daslu se cruzam na década de 1980, quando a empresária herdou a marca da mãe. Lucia Piva de Albuquerque e a sócia Lourdes Aranha fundaram o espaço em 1958, mas até 1983, a loja possuía um projeto bem mais modesto.
Eliana foi a responsável por transformá-la em um templo de compras de luxo, frequentado pela elite brasileira. A estrutura era o sinônimo da sofisticação, com vendedoras socialites, champanhe para acompanhar a escolha e prova das peças, em um ambiente agradável e puramente feminino.
Antes de chegar a esse nível, no entanto, a empresária teve que trabalhar intensamente para convencer as principais grifes internacionais de que investir no Brasil era um bom negócio. E o cenário não era favorável, pois a instabilidade da economia desencorajava os investimentos. Os argumentos de Tranchesi só ganharam força graças a um empurrãozinho do então presidente Fernando Collor, que liberou as importações em território tupiniquim.
Chanel - uma das marcas que Eliana trouxe ao Brasil. Fonte: Divulgação
O esforço rendeu bons frutos. Aos poucos, os artigos de grifes como Chanel, Gucci, Yves Saint Laurent e Louis Vuitton foram enchendo as prateleiras e atraindo cada vez mais a elite do país. A casa da Vila Nova Conceição, em São Paulo, ficou então pequena para o projeto de Eliana. Alguns anos depois, a Daslu transformou-se em um complexo de luxo formado por dois quarteirões e várias casas interligadas.
As coleções seguiam as principais tendências das passarelas nacionais e internacionais e o sucesso se traduzia nas vendas. A loja chegou a conquistar a liderança da comercialização de produtos da Chanel por metro quadrado no mundo. Por ano, eram movimentados aproximadamente 400 milhões de reais, além de empregar mais de 1.000 pessoas.
Em seus melhores anos, a Daslu reuniu a venda de mais de 70 grifes estrangeiras, entre elas Prada, Burberry, Tods, Dolce & Gabbana, Giorgio Armani, Dior, Fendi, Chloé, Cacharel, Tom Ford, Salvatore Ferragamo e Goyard. Havia ainda espaço para as marcas brasileiras, vindas de todos os cantos do país. Além disso, a loja ainda exportava artigos para multimarcas de vários continentes.
Assim, foi impossível que a loja passasse despercebida no mundo da moda internacional. Não é à toa que a Daslu ganhou uma projeção até então nunca vista além das fronteiras brasileiras. O jornalismo especializado do setor passou a vir ao país para conferir de perto o trabalho de Eliana, que acabou auxiliando grifes brasileiras a serem conhecidas lá fora.
[/imgcenter]Fonte: daslu.com.br Por isso, a indústria têxtil local lutava para estar entre as araras do complexo de luxo, para ganhar destaque, vender mais e ter as portas abertas para novos fornecedores e consumidores.
Além das vendas, que incorporavam características bem brasileiras, como o parcelamento das compras em até seis vezes, a Daslu também promoveu eventos até então inéditos no país. Um exemplo é o desfile da alta-costura de Valentino, organizado para comemorar os 40 anos da loja, que nunca antes havia acontecido fora de Paris.
Com tanto sucesso, Eliana viu que precisava de um espaço melhor e maior para sua multimarcas. Assim, em 2005, foi inaugurada a nova Daslu, na Vila Olímpia, em São Paulo. O local agregou novos restaurantes e um salão de festas. Era a definição de sofisticação, que mostrava o novo conceito de luxo pregado pela empresária, desta vez com muita ostentação.
A decadência do império Daslu
A nova loja, no entanto, não deu continuidade à trajetória de sucesso de Eliana e seu complexo de sofisticação. Em 2009, a Operação Narciso, deflagrada pela Polícia Federal acusou a empresária de sonegar impostos sobre os artigos estrangeiros e ela foi presa temporariamente.
Com a confirmação das denúncias, a empresária foi condenada à 94 anos de prisão e a Daslu acumulou uma dívida de mais de 80 milhões de reais, que foi assumida por seu novo proprietário, Marcus Elias, conhecido por seu trabalho na Parmalat.
Assim, desde 2010, a marca deixou de fazer importações e hoje de dedica apenas aos seus produtos. Eliana continuou a comandar o time de colaboradoras e indicar diretrizes de negócio, mas com o fechamento da sede da Vila Olímpia e a abertura da nova loja no Shopping Cidade Jardim, ela se afastou definitivamente da multimarcas. A previsão é de que o antigo espaço seja demolido pelos novos donos.
Nos últimos meses, a empresária cumpria prisão domiciliar enquanto combatia a doença, que foi descoberta logo em seguida aos desdobramentos da Operação Narciso. A trajetória de sucesso garantiu a ela o reconhecimento por promover o mercado de luxo brasileiro, mas as denúncias comprometeram principalmente sua situação financeira. No último ano, Eliana acumulava apenas a casa em que morava e poucos bens.
Suas últimas recomendações de sofisticação diziam respeito ao que ela queria vestir em seu funeral, que aconteceu nesta manhã.