Artes/cultura
09/12/2019 às 14:30•3 min de leitura
Na Grã-Bretanha, durante as notórias Guerras Napoleônicas, por volta de 1800, tudo o que era de origem francesa foi considerado suspeito e motivo para qualquer medida letal. Quando um navio francês naufragou na costa de Hartlepool e o único sobrevivente, um macaco, alcançou a cidade, todos ficaram cismados de que ele fosse um espião. De acordo com os registros históricos locais, os moradores se reuniram em assembléia e levaram o caso ao tribunal da cidade. O juiz considerou o macaco culpado de todas as acusações e o primata foi enforcado em praça pública.
Esse tipo de procedimento considerado “padrão” durante os séculos aconteceu muito antes da ascensão dos sangrentos e barbáricos Tribunais da Inquisição. Antes das bruxas serem queimadas em fogueiras, a Europa já condenava animais, inclusive insetos, a morrerem queimados, torturados ou enforcados por “crimes” que supostamente haviam cometido.
A convicção de que esses bichos eram perigosos e deveriam responder por suas ofensas partia do princípio de que, por vezes, eles acabavam machucando os humanos, de maneira direta ou indireta, fosse através de uma nuvem de besouros que destruíra uma plantação, ou fosse porque uma vaca empurrou sua dona, que caiu e morreu. A natureza do culpado era irrelevante.
O historiador Edward Payson Evans escreveu em seu livro de 1906, “The Criminal Punishment and Capital Prosecution of Animals”, que as autoridades chegaram até a enviar cartas para ratos, os aconselhando a deixar a residência na qual haviam invadido antes que eles decidissem caçar e julgá-los formalmente.
Segundo a historiadora Sara McDougall, professora associada da Faculdade de Justiça Criminal de John Jay, de Nova York, boa parte dessa prática de colocar animais em julgamentos estava relacionada com a necessidade da sociedade em depositar em algo a culpa de seus atos ou de qualquer coisa que não pudessem explicar.
A cultura da culpabilidade era também a maneira que encontravam de manter toda uma hierarquia nos eixos, uma vez que as pessoas acreditavam profundamente em uma ordem divina pré-estabelecida, em que os humanos estavam no topo, como Deus desejava, e qualquer ruptura precisava ser restaurada com uma medida formal.
Em consequência a tudo isso, ainda, muitas histórias de tribunais de animais eram inventadas como uma maneira de difamar qualquer um que estivesse conectado ao caso, como aconteceu com um advogado que supostamente havia defendido uma horda de ratos. Isso passou a ser algo frequente ao longo das eras, talvez como uma forma de confundir os registros.
Em tempos rústicos e também em que pessoas eram encontradas mortas em campos e pelas ruas, por fome, doença ou condições de trabalhos; acidentes, por mais comuns que fossem, não eram uma alternativa para absolutamente nada. Isso valia principalmente para os animais que possuíam um entrosamento mais íntimo com o meio social e cotidiano, como touros, vacas, cães, porcos e cabras. Esses costumavam receber as punições mais severas.
No entanto, o problema das eras sempre foram os suínos. De todas as criaturas que já foram levadas à corte, os porcos são os que encabeçam a lista. Em 1494, em Clermont, na França, um porco foi julgado e condenado à forca por ter “estrangulado e desfigurado o rosto de uma criança com as próprias patas”. Ele teria escapado de seu cercado na fazenda, invadido a casa de seus donos, subido no berço da criança e cometido o ato hediondo.
Em adição a isso, existem também registros de algumas vezes em que os suínos foram vestidos com roupas de humanos e encaminhados para o julgamento, como em um caso de 1386. Condenado por infanticídio, antes de sua execução, o porco usava um colete, luvas e até um colar. Além disso, foi colocado uma máscara humana em sua cabeça.
Quando a vida deles era poupada, os bichos eram encarcerados para o cumprimento de pena em celas ao lado de criminosos humanos, com o intuito de que pudessem ter uma chance de reabilitação.
No que se tratava de insetos – como se o resto já não fosse o suficiente -, esses tinham o seu julgamento in absentia, ou seja, em ausência, pois as espécies acusadas não estavam na sala de julgamentos.
Historicamente, esse método parece ter ganhado força em 1587, num acontecimento famoso que levou a Igreja a um julgamento de oito meses contra besouros que atacaram uma colheita de uvas sagradas de propriedade exclusiva da Igreja. Para isso, assim como em outras situações que envolviam pestes e pragas, a condenação dos insetos foi por anatematização. Perante a Bíblia, os besouros foram excomungados aos olhos de Deus, já que não podiam receber uma pena física. Apenas quando o inseto possuía algum proprietário ou culpado indireto que a pena era automaticamente transferida para esse, junto com o banimento eclesiástico.
O escritor James E. McWilliams, em um de seus ensaios sobre o assunto, tentava levar em consideração a posição dos animais na sociedade, a maneira como eram enxergados. A interação humana consistia em uma relação mais de trabalho, chegando a dividir jornadas de 16 horas diárias. Os animais eram seres geradores de capital, ao invés de um objeto de estimação. Com esse fato, o autor afirmava, entre muitas de suas análises, que colocar animais em julgamentos por seus crimes, então, não parecia tão estranho e grotesco como soa atualmente.
Estima-se que os tribunais que incriminavam os animais sobreviveram formalmente até mais ou menos o final do século XIX, embora uma de suas últimas ocorrências tenha sido documentada na Suíça, em 1906, onde dois homens e um cachorro foram julgados por roubar e matar um homem. Para os humanos, foi dado prisão perpétua, mas o cachorro foi condenado à morte.
Reincidências aconteceram ao longo do século XX. Um caso, por exemplo, aconteceu em 1916 no Tennessee envolvendo um elefante. No entanto, o mais assustador foi o de 2008, na Macedônia, não por ser chocante demais, mas por essa prática primitiva e irracional ainda se estender para dentro de um século que já deveria ser mais evoluído.