Ciência
16/04/2020 às 14:00•5 min de leitura
"Ariel Castro era um monstro". Assim o homem porto-riquenho foi definido. Em sua defesa, no entanto, ele disse que era apenas um cara comum, viciado assim como um bêbado ou drogado qualquer.
Se tudo tivesse sido uma ficção, com um roteiro sobrenatural, seria possível dizer que algo na casa teria transformado o homem. "Foi lá que o inferno começou", disse Elida Caraballo, irmã de Grimilda Figueroa, a esposa de Castro.
Em 1980, quando o casal se mudou para a casa número 2.207 da Seymour Avenue, na cidade de Cleveland, em Ohio, Figueroa começou a sofrer. Castro quebrou o nariz da esposa, as costelas, os braços e chegou a causar um coágulo em seu cérebro — o que ocasionou a morte dela em 2012, em decorrência de um tumor inoperável. A mulher foi espancada várias vezes pelo marido até 1996, quando garantiu a custódia de seus quatro filhos e deixou a casa e a vida de Castro.
Sozinho, os impulsos do motorista de ônibus, que antes eram supridos por Figueroa, precisavam ser atendidos. Ninguém se candidatava, e Castro não era do tipo que tinha jeito com as mulheres. Ainda assim, alguém precisava coabitar aquela grande casa de quatro quartos tanto quanto o descontrole do homem, nem que fosse à força.
Michelle Knight
Michelle Knight, na época com 21 anos de idade, foi a primeira e a mais velha das três que viriam. Apelidada de Baixinha, era constantemente intimidada e ridicularizada por outros alunos no Ensino Médio. Em casa, o tormento continuava, pois ela não tinha nenhum vínculo afetivo com os pais. A família era extremamente pobre e ela tinha que conviver com outros parentes. Aos 11 anos de idade, Knight já era estuprada por um dos membros da família.
Cansada, ela fugiu e viveu um bom tempo nas ruas. Chegou a trabalhar para um traficante das redondezas e acabou engravidando. Com isso, Knight decidiu que queria encontrar um trabalho e dar uma vida tranquila e digna para o filho. Ela foi morar com a prima para começar a reconstruir a vida e não mais pensar só nos abusos e na tristeza que tinha sofrido até o momento. Quando perdeu a guarda da criança, tudo desmoronou novamente.
No fatídico 23 de agosto de 2002, Knight entrou em uma loja chamada Family Dollar para pedir informações sobre onde ficava o tribunal em que ocorreria a audiência de guarda do filho. Um homem na fila do caixa ouviu a conversa dela com um funcionário e se ofereceu para levá-la até o endereço. Esse homem era Ariel Castro.
A caminho do local, Castro disse que precisava passar em casa para pegar alguns documentos e questionou se Knight gostaria de adotar um filhote de cachorro. Ela ficou animada com a oferta, pois já era um desejo antigo, e só conseguiu pensar no filho. Assim que a jovem entrou na casa, porém, foi contida e presa pelo homem.
Começava ali o dia 1 de seus 11 anos em cativeiro.
Amanda Berry
Oito meses após o sequestro de Knight, foi a vez de Amanda Marie Berry desaparecer, 1 dia antes de seu aniversário de 17 anos, em 21 de abril de 2003. Ela voltava para casa depois de um turno exaustivo de trabalho no Burger King, na West 110th Street, também em Cleveland, quando ligou para a irmã às 20h para dizer que estava chegando.
À princípio, o FBI considerou que Berry tinha simplesmente fugido e manteve essa conclusão até o seu desaparecimento completar 1 semana, quando Castro ligou para a mãe da garota e disse: "Eu estou com a Amanda. Ela está bem e voltará para casa em alguns dias". Só que ela não voltou por 10 anos.
Berry encabeçou a lista das Pessoas Mais Procuradas dos Estados Unidos e seu rosto apareceu em todos os jornais, programas e revistas do país. Uma vidente que foi ao programa Williams Show chegou a declarar em rede nacional que ela estava morta, afogada, e isso foi demais para Louwana Miller, mãe da garota. Em 2006, a mulher morreu de insuficiência cardíaca sem nunca saber o paradeiro da filha.
Gina DeJesus
Georgina Lynn DeJesus, mais conhecida como Gina DeJesus, foi a terceira sequestrada por Castro e a mais nova, com apenas 14 anos de idade. Ela foi vista pela última vez usando um telefone público, por volta das 15h de 2 de abril de 2004, a caminho da escola, que ficava no mesmo quarteirão que a lanchonete em que Berry trabalhava.
DeJesus era a melhor amiga das filhas de Castro, e foi por isso que decidiu aceitar a carona dele até em casa. Na época, ela também entrou para a lista das Pessoas Mais Procuradas da América, e o seu desaparecimento foi rapidamente conectado ao de Berry.
DeJesus, Knight e Berry foram acorrentadas para viverem sob o mesmo teto que Castro, no número 2.207 da Seymour Avenue, próximo de onde os seus pais gritavam os seus nomes pelas ruas e colavam cartazes nos postes. Enquanto isso, elas eram torturadas por trás das cortinas fechadas da casa, onde, aparentemente, apenas um motorista de ônibus vivia.
A casa de Ariel Castro
"Agora você é propriedade minha e vai ficar aqui para satisfazer os meus desejos", foi o que Castro disse para cada uma das jovens. No primeiro dia que Knight ficou na casa, ela foi amordaçada, presa e estuprada cinco vezes. Por mais de 1 dia inteiro, a jovem ficou suspensa em uma espécie de gancho para carnes preso no teto, sangrando pelos ferimentos da violação, sem se alimentar e tendo que urinar na roupa. Ela estava ali para servi-lo como um objeto sexual.
Logo que chegou, Castro também fez questão de quebrar o pescoço do cachorro que supostamente daria para Knight, deixando-o para apodrecer em seu quarto.
O homem espancou tanto a jovem que acabou causando inúmeras fraturas no queixo dela. A moça tinha várias costelas partidas e trincadas, a ponto de mal conseguir falar ou respirar direito. Castro a engravidou pelo menos cinco vezes ao longo dos 11 anos de cativeiro. E em todas as vezes ele a espancou até que ela abortasse, sempre antes de completar 3 meses de gestação. Após isso, ela nunca mais pôde ter filhos.
As mulheres ficavam acorrentadas
Berry teve uma televisão colocada em seu quarto por Castro para que soubesse que ninguém estava procurando por ela e que morreria entre aquelas paredes. Ou seja, ela deveria desistir de ter uma vida longe dele. A jovem foi espancada múltiplas vezes tanto quanto foi violentada, e em 2006 deu à luz uma menina em uma piscina de plástico com a assistência de Knight, sob ameaças de morte caso a bebê não sobrevivesse.
Por algum motivo, DeJesus recebeu, no começo, um tratamento diferente. Castro a presenteava com comidas boas e roupas novas. Ele levou mais de 1 ano para começar as sessões de estupros, mas até lá já dava a ela o mesmo tratamento que dava às outras.
As mulheres passavam a maior parte do tempo trancadas em quartos separados. Isso fazia parte do jogo de manipulação psicológica que Castro fazia, colocando uma contra a outra, tanto que Knight foi a única de quem as demais não conseguiram se aproximar.
Um dos quartos das jovens
Elas só deixavam o quarto para realizar tarefas domésticas, seguindo o mesmo protocolo de regras estritas. Para preparar a comida, por exemplo, a panela precisava ser mantida exatamente no meio do fogão. Elas tinham que usar apenas uma gota de detergente para lavar uma pia cheia de pratos e normalmente apanhavam após isso, pois a louça sempre permanecia gordurosa.
As três só podiam usar menos do que o equivalente a uma moeda de sabonete líquido para tomar banho — que acontecia uma vez por semana. Os quartos ficavam sempre escuros. Elas usavam sacos plásticos para fazer as necessidades fisiológicas, comiam poucas vezes durante a semana e geralmente era algum alimento apodrecido.
Foi essa a rotina durante 10 anos de tortura física e psicológica. Dez anos que os membros da família de Castro visitaram a casa sem ter ideia de que ele mantinha três mulheres em cativeiro. Dez anos que elas sofreram em silêncio.
Ariel Castro
Em 6 de maio de 2013, a pequena Jocelyn, de 6 anos de idade, filha de Berry, desceu até o quarto da mãe e avisou: "Eu não acho o papai. Papai não está por perto". Não era incomum Castro não estar, mas em 10 anos ele nunca saiu e esqueceu aberta a porta do quarto de nenhuma das mulheres, como aconteceu naquele dia.
Amanda pensou mil vezes se deveria arriscar, então subiu e chegou até a porta de entrada da casa, que também estava destrancada. Ela saiu para a rua e começou a gritar, pedindo socorro para quem passava, dizendo que era Amanda Barry e que tinha sido sequestrada há 10 anos. Ninguém a ouviu.
As vítimas atualmente
Apenas Charles Ramsey, um transeunte, parou e a ajudou a ligar para a polícia. Quando o esquadrão invadiu a casa e finalmente libertou as outras mulheres, Knight se lembra da sensação: "A primeira vez que eu consegui sentar do lado de fora, sentir o sol, estava quente, tão brilhante. Era como se Deus estivesse lançando uma grande luz sobre mim".
Ariel Castro se declarou culpado das 937 acusações, incluindo assassinato, sequestro, estupro e agressão. Ele foi condenado à prisão perpétua sem possibilidade de liberdade condicional.
Contudo, em 3 de setembro de 2013, 1 mês após a sentença, ele cometeu suicídio na sua cela. O homem apagou a sua existência, mas jamais poderá apagar os 10 anos que roubou da vida das três mulheres.