Artes/cultura
26/05/2020 às 14:00•3 min de leitura
A história do primeiro e maior mistério da América do Norte começou com as raízes dos povos: a colonização. Em meados de 1583, o explorador Walter Raleigh recebeu da Rainha Elizabeth I a carta que ela teria dado ao seu meio-irmão em 1578 e que dava plenos poderes para colonizar os territórios não reclamados pelos reinos cristãos.
Dividindo a nota com o irmão Adrian Gilbert, Raleigh acabou ficando com a patente de exploração das terras ao sul da Terra Nova, ainda que boa parte já tivesse sido reivindicada pela Espanha. No entanto, as diretrizes da carta, emitida em 25 de março de 1584, esclareciam que o homem precisava estabelecer um núcleo de povoamento até 1591 ou perderia o direito à colonização. Como Raleigh foi impedido de tomar o comando da expedição por ser o novo "queridinho" da rainha, delegou as missões aos seus associados.
O artista e cartógrafo John White foi encarregado de liderar a segunda expedição, visto que a primeira não tinha encontrado um território bom o suficiente para se tornar um "novo Éden". Em 1587, visando à liberdade religiosa e à oportunidade econômica, 118 colonos ingleses com famílias inteiras embarcaram em navios com destino à costa da Ilha de Roanoke, na Carolina do Norte. Após aportar, White deveria instalar a colônia na baía de Chesapeake, ao norte, onde teria fontes de cobre, ouro e prata nas montanhas; porém ele não fez isso — e não se sabe o motivo.
Os navios expedicionários Tiger, Grenville e Roebuck chegaram no verão daquele mesmo ano e foram bem acolhidos pelos nativos americanos. Durante a ancoragem do Tiger houve um acidente que resultou na perda de boa parte das provisões da colônia, então assim que tarefas foram designadas e todo o assentamento foi erguido, ficou claro que White precisaria voltar para trazer mais mantimentos para a sobrevivência de todos.
Antes de partir, o explorador testemunhou o nascimento da primeira criança inglesa no Novo Mundo, sua neta, Virginia Dare, e o batismo de Manteo, um líder nativo, como Lorde de Roanoke. Os eventos simbolizaram o início de uma estrutura colonial.
Em 8 de setembro de 1587, apenas 11 colonos voltaram para a Inglaterra com White no navio Roebuck. Eles chegaram quando a Guerra Anglo-Espanhola estava em seu apogeu, o que acabou atrasando o retorno de White para Roanoke, já que a rainha queria todos os navios disponíveis para o confronto.
Foi apenas em 18 de agosto de 1590, 3 anos depois, que o explorador conseguiu voltar à colônia. Para a surpresa de White, Roanoke estava desolada. Não havia sinais de que um dia tivesse existido um assentamento no local nem havia vestígio de confrontos. Os navios tinham desaparecido com os colonos, assim como os nativos e qualquer rastro de vida humana.
Aproximando-se de uma árvore, White encontrou a única pista: a palavra Croatoan entalhada na madeira. Esse nome se referia a uma ilha ao sul de Roanoke, conhecida por ser o local de origem da tribo do líder Manteo. Os exploradores tentaram chegar lá, porém intempéries teimaram em lançá-los sempre para o norte e eles acabaram voltando para a Inglaterra.
Nenhum navio foi enviado para Croatoan e White nunca descobriu se a esposa, a filha e neta estavam vivas ou mortas.
Para algo que deveria ser apenas um incidente histórico, os séculos cuidaram de estabelecer um caráter lendário para o já misterioso acontecimento, além de uma "aura conspiratória". As ideias se dividem.
De um lado, com base nos estudos, historiadores acreditam que a colônia esgotou as provisões, por isso optou por tentar navegar de volta à Inglaterra e acabou se perdendo em alto-mar ou encontrou o fim nas mãos dos espanhóis em meio à guerra. Além disso, trabalham com a possibilidade de que os ingleses foram vítimas de tribos invasoras e acabaram aprisionados e assassinados. Os colonos também poderiam ter sido afetados por uma doença para a qual não tinham imunidade.
Por outro lado, a ideia sugere um envolvimento de forças ocultas. Esse viés foi impulsionado pela palavra Croatoan e o estranho fato de ter sido o único resquício da colônia. Ao longo dos séculos XVIII e XIX, o termo reapareceu em contextos obscuros. Na primeira vez, saiu da boca de Edgar Allan Poe, que a sussurrou antes de morrer depois de ter desaparecido. Em seguida, foi encontrada no verso do último trabalho do satirista Ambrose Bierce, que logo desapareceu, em 1913. A palavra esteve também no jornal que reportava o sumiço insólito de Amelia Earhart, em 1937.
É impossível negar que o termo tenha sido mistificado devido às circunstâncias de seu descobrimento. A maior conspiração, porém, é de que exista um cunho religioso e ancestral nele, então os ingleses teriam sucumbido aos rituais ou à prática de bruxaria.
Em 1937, um turista entregou ao departamento de História da Universidade de Emory, em Atlanta, uma pedra que encontrou em um pântano enquanto viajava pela Carolina do Norte. Nela, havia os escritos: "Ananias Dare & Virginia foram para o céu 1590. Anye Shew. John White Govr Via". Do outro lado havia uma mensagem descrevendo os 2 anos de sofrimento da colônia de Roanoke devido a doenças, guerras e ritos. Foi assinada com as siglas EWD, possivelmente de Eleanor White Dare, irmã de John White.
A autenticidade do artefato só foi confirmada em 2016, quando o geologista Ed Schrader cortou uma ponta da pedra e descobriu que o interior era branco brilhante, em contraste com a superfície marrom. Esse escurecimento leva séculos para acontecer, e em 1930 não havia produtos químicos para forjar a coloração.
Ainda é necessária uma investigação geoquímica, mas, sem sombra de dúvidas, a pedra se tornou um dos artefatos mais valiosos do início do período norte-americano. Apesar da explicação de Eleanor, o mistério do que aconteceu em Roanoke apenas foi propelido para um novo frenesi.