Artes/cultura
25/06/2020 às 14:00•3 min de leitura
Foi em uma tarde de junho de 1994 que o jovem Nicholas Barclay desapareceu depois de ter sido visto pela última vez jogando basquete com amigos em uma quadra perto de casa, no Texas (Estados Unidos). Nascido em 31 de dezembro de 1980, o garoto tinha apenas 13 anos na época e um péssimo histórico. Ele era conhecido por ser muito problemático e ter uma má relação com a lei, acumulando passagens em centros juvenis por roubo, invasão, evasão escolar, ameaça e violação.
Beverly Dollarhide, sua mãe, era solteira, tinha três filhos e batalhava contra o vício em drogas, dividindo o tempo entre as reuniões nos Narcóticos Anônimos e o trabalho em uma loja de conveniência. Uma vez que Barclay era verbal e fisicamente abusivo, ela pediu ao filho Jason, de 20 anos, que morassem com eles na esperança de que controlasse o irmão.
Jason tinha um temperamento explosivo por conta de seu vício em cocaína. Segundo testemunhas, a polícia foi chamada várias vezes por conta dos conflitos entre os jovens.
A princípio, quando Barclay não voltou para casa, a família não desconfiou de nada, pois era um comportamento comum dele. Eles acreditaram que ele tinha sumido para não ter que comparecer à audiência marcada para 14 de junho, a qual decidiria se ele seria enviado ou não para um centro de tratamento juvenil.
Segundo Beverly, o garoto só tinha US$ 5 no bolso quando saiu de casa, o que impedia que ele usasse algum transporte público ou se hospedasse em algum lugar. Portanto, só parecia possível que ele tivesse pegado uma carona para fora da cidade. Ela registrou a ocorrência em 16 de junho, 3 dias depois de Barclay desaparecer. No entanto, testemunhas afirmaram que não o viam desde 10 de junho.
Devido ao histórico de instabilidade do menino, as autoridade demoraram para atender ao chamado. Mesmo assim, não havia pistas do paradeiro dele. Em setembro daquele ano, Jason ligou para a polícia e informou que Barclay tinha tentado arrombar a sua garagem. Quando os oficiais chegaram ao local, não havia sinal de tentativa de invasão, tampouco do garoto.
Em 1997, a família de Barclay recebeu a gloriosa notícia de que ele havia sido encontrado em Linares, na Espanha. Aparentemente, segundo depoimento do próprio garoto, ele foi sequestrado por um esquema governamental que comandava uma rede de tráfico infantil. Por 3 anos, ele teria sido estuprado e submetido a experimentos, como mudança da cor dos olhos e da tonalidade dos cabelos, a fim de torná-lo irreconhecível.
Ele realmente estava muito diferente do jovem esguio de cabelos loiros e olhos azuis. O rapaz encontrado na Espanha parecia mais velho do que deveria e tinha olhos e cabelos escuros. O temperamento também tinha mudado. Não era mais um Barclay violento e indisciplinado, era assustadoramente calmo e frio. Apesar dessas discrepâncias, a família insistiu que aquele realmente era Nicholas Barclay, e a irmã mais velha, Carey, voou até a Espanha para buscá-lo.
Devido ao contexto sórdido em que o garoto foi sequestrado, a história ganhou o mundo e atraiu equipes de reportagem para a casa da família todos os dias. Vários investigadores se empenharam em descobrir o que havia acontecido durante o período em que ele ficou desaparecido. Segundo Barclay, ele foi sequestrado no caminho de volta para a casa, colocado em um avião e levado para a Europa. Quanto à maneira como conseguiu escapar, ele afirmou que não se lembrava dos detalhes, apesar de ser bem preciso sobre todo o resto.
No fim de 1997, o detetive Charlie Parker comparou uma foto das orelhas do novo Barclay com uma foto antiga e percebeu que elas não combinavam. Em fevereiro de 1998, o FBI obteve uma ordem judicial para colher as impressões digitais e o DNA do jovem. Eles descobriram que Nicholas Barclay na verdade era Frédéric Bourdin.
Procurado pela Interpol, Bourdin é um criminoso francês e impostor em série conhecido por já ter assumido a identidade de cerca de 500 pessoas, sendo 3 crianças desaparecidas. Em setembro de 1998, ele se declarou culpado por fraude e perjúrio e foi condenado a 6 anos de prisão, o dobro do tempo estipulado para o crime.
A família de Barclay disse que Jason foi quem começou a notar a farsa. No dia que seria entrevistado pelo detetive Parker, ele foi encontrado sem vida em sua casa, vítima de uma overdose de cocaína — não se sabe se acidental ou suicida. A morte levantou ainda mais suspeitas: como a família não tinha notado a falta de semelhanças?
Não demorou para que a mídia e a polícia chegassem à conclusão de que aquilo poderia ser uma trama. E se Jason Barclay tivesse matado o irmão durante um pico de fúria e a mãe tivesse escondido tudo? E se a família tivesse aceitado Bourdin apenas para reforçar a história de sequestro?
Sob custódia da polícia, o criminoso disse apenas “Eles sabem”.
A divergência nas datas do desaparecimento de Nicholas Barclay, as brigas violentas com o irmão, o histórico instável, a morte insólita de Jason, a fraude de Bourdin e sua declaração. Quem estava mentindo?
Em 2012, a produtora britânica Film4 fez um filme documentário intitulado O Impostor, visando compilar a história e focando os aspectos psicológicos que levaram Bourdin a usar a identidade do garoto desaparecido.
Até hoje, não se sabe o paradeiro de Nicholas Barclay. Não existem pistas, tampouco um cadáver. Alguns entendem o caso como o típico desespero de uma mãe que queria acreditar a todo custo que o filho estava vivo; outros enxergam o desespero de uma mãe para acobertar o crime cometido por um filho que saiu do controle.