Artes/cultura
10/02/2018 às 03:00•4 min de leitura
Se você ainda não viu, provavelmente já ouviu falar de “O Exorcismo de Emily Rose”, um dos filmes de terror mais fortes de todos os tempos. O que você talvez não saiba é que ele foi feito inspirado na história de uma jovem chamada Anneliese Michel, nascida na cidade alemã de Leiblfing em 1952 e morta em Klingenberg am Mainque, em 1976.
Foi aos 16 anos que Anneliese começou a apresentar sérios problemas de comportamento. A família da jovem procurou ajuda médica – ela já tinha um histórico de distúrbios mentais e epilepsia –, mas nenhum tratamento resolveu a situação e, depois de algum tempo desenvolvendo comportamento agressivo, rasgando roupas e até mesmo defecando em público, Anneliese disse a sua família que estava possuída por espíritos demoníacos e implorou por ajuda.
A casa da família, a essa altura, já era conhecida na vizinhança como um lugar onde coisas estranhas aconteciam. Lá, Anneliese e seus pais viviam em uma rotina de medo e incerteza. Ainda que os médicos tivessem dito que a adolescente sofria transtornos psiquiátricos, a experiência da jovem parecia ir além do que qualquer diagnóstico médico era capaz de descrever.
Assustados, os pais da jovem conseguiram autorização com o bispo da cidade e, com a ajuda de um padre, passaram a realizar exorcismos consecutivos – foram 67 rituais em nove meses de tratamento religioso, de acordo com Elizabeth Day, que escreveu sobre o assunto no Telegraph. O processo resultou na morte de Anneliese, desnutrida e desidratada, pesando pouco mais de 30 kg, em 1976.
A desnutrição foi ocasionada graças aos inúmeros jejuns aos quais a garota se submetia, na crença de que isso afastaria os demônios de seu corpo. Pelas condições da jovem no momento de sua morte, seus pais e os dois padres responsáveis pelos exorcismos foram considerados culpados por homicídio negligente.
Em 1999 o pai de Anneliese morreu e, a partir de então, Anna Michel, mãe da jovem, morou na mesma casa, sozinha, dormindo em um quarto que dá para o jardim onde está enterrada a filha. Sobre o túmulo, uma cruz, com a inscrição “descanse em paz”.
O filme “O Exorcismo de Emily Rose” deixa de seguir o padrão de “O Exorcista” e, em vez de se focar nos momentos de possessão, acaba se voltando mais às consequências legais que envolveram os padres e os pais de Anneliese. Anna soube a respeito do lançamento do filme e, em declaração publicada no Telegraph em 2005, disse que não queria assistir ao longa nem saber nada a respeito.
Apesar de nunca ter gostado de falar a respeito da morte da filha, Anna disse não se arrepender de suas ações. Extremamente religiosa, Anna acredita que a filha precisava realmente passar pelos rituais de exorcismo: “eu sei que nós fizemos a coisa certa porque eu vi o sinal de Cristo nas mãos dela” revelou. Anna disse também que a filha morreu para salvar outras almas pecadoras.
Quando falou sobre a filha antes das sessões de exorcismo, Anna, que deu a entrevista já na casa dos 80 anos, disse que Anneliese era uma garota gentil, amável, doce e obediente, “mas quando ela estava possuída era uma coisa não natural, algo que não se pode explicar”, completou a mãe ao descrever a filha.
A família religiosa de Anneliese tinha um segredo: Anna teve uma filha antes do casamento, Martha. Devido a isso, Anna foi obrigada a se casar usando um véu preto e prometeu à sua família que a filha “ilegítima” teria uma vida religiosa. Acontece que Martha morreu aos oito anos de idade, durante uma cirurgia para remover um tumor nos rins. O peso do pecado da mãe passou de uma filha para outra.
Ao contrário das outras crianças de sua idade, Anneliese levava uma vida cheia de punições, para pagar os pecados da mãe. Que fique claro que não era Anna quem mandava que a filha se sacrificasse, mas a própria Anneliese fazia questão, por exemplo, de dormir em um chão de pedra como sacrifício pelas almas pecadoras do mundo.
As convulsões começaram em 1968, quando a garota tinha 17 anos. Diagnosticada com epilepsia, Anneliese começou a ter alucinações sempre que rezava. Em 1973 ela enfrentava um quadro grave de depressão, com pensamentos suicidas. Nessa mesma época ela começou a ouvir ordens de vozes que vinham de sua cabeça.
A situação ficou tão crítica que, em determinado momento, ela já estava realizando 600 flexões de joelho por dia, o que acabou rompendo alguns ligamentos da região. Além disso, ela se arrastava embaixo da mesa e latia. Anneliese chegou a comer aranhas e morder a cabeça de um passarinho morto. Ela urinava no chão e lambia o próprio xixi. Quando não estava fazendo alguma coisa bizarra, gritava por horas sem parar.
Em 1975 a família conseguiu autorização do bispo de Wurzburg para realizar os exorcismos pelos quais a jovem passou nos últimos meses de sua vida. A essa altura, Anneliese já havia sido diagnosticada como esquizofrênica, mas recusou-se a tomar os remédios prescritos. Outro detalhe importante: em 1973, “O Exorcista” foi lançado – algumas pessoas dizem que o filme pode ter influenciado o comportamento da jovem – será?
O fato é que um padre e um pastor realizaram sessões de exorcismo semanalmente em Anneliese, em rituais que demoravam até quatro horas. O padre Arnold Renz disse ter identificado vários demônios no corpo da jovem, entre eles os de Lúcifer, Judas, Nero, Cain e Adolf Hitler, que teria falado com sotaque austríaco.
Das sessões, há 42 horas de áudio gravadas – dizem que quem ouve fica apavorado. As gravações revelam diálogos entre os supostos demônios, gritos, sussurros, grunhidos e palavrões. Os exorcismos geralmente chegavam ao ponto de Anneliese precisar ser acorrentada.
Em 1976, a jovem já estava visivelmente doente: magra, pálida e com pneumonia, ela ia enfraquecendo cada vez mais até que morreu no dia 1 de julho do mesmo ano. Por mais que quase 40 anos tenham se passado desde então, o assunto é evitado pelos quase 2 mil moradores da cidade até hoje.
O caso envolveu a igreja católica também, que, em 1984, pediu que o Vaticano revisasse os rituais de exorcismo com base no caso de Anneliese – um novo ritual só foi publicado em 1999. De acordo com o Vaticano, são praticados em média 350 rituais de exorcismo anualmente em todo o mundo.
*Publicado em 24/10/2014