Artes/cultura
31/07/2018 às 06:30•6 min de leitura
Qual seria a rede social mais querida pelos brasileiros, que deixou muito legado, várias lembranças e muita saudade? É claro que estamos falando do Orkut, um projeto que conquistou o país e virou sinônimo de internet por vários anos aqui no país. A seguir você pode conferir um pouco sobre a origem, o auge, a queda e relembrar muita coisa engraçada e bizarra — tudo reunido pelos nossos colegas do Tecmundo:
A história não podia começar de outro jeito se não com Orkut Büyükkökten. Ele nasceu na Turquia em 1975, chegou a morar na Alemanha quando criança e começou a programar em BASIC ainda jovem. Ele se formou como engenheiro na sua terra natal e conquistou um PhD em ciência da computação em Stanford. Lá, já dava pra ver que a paixão dele era redes sociais.
A primeira nasceu em 2001, a Club Nexus, e era pra estudantes. Eles podiam trocar convites, conversar, vender e comprar coisas e postar conteúdos... Foram 2 mil usuários cadastrados.
Nessa época, redes sociais tavam engatinhando, e pioneiros tipo MySpace e Friendster nem existiam ainda. Aí o Orkut cria uma segunda rede social, a inCircle. Ela também seria usada em Stanford e se baseava em discussões e interesses em comum. O Orkut funda então uma empresa pra administrar esses projetos, a Affinity Engines.
Ele só sai do seu primeiro empreendimento em 2002, quando recebe duas propostas de trabalho: Microsoft, pra trabalhar numa divisão mobile, e Google. A segunda tinha aquela cara de startup, o campus ficava perto de Stanford e ele topou.
Lá, ele começou como desenvolvedor front-end em projetos internos, só que aos poucos ele começou a planejar a sua terceira rede social usando um programa bem interessante do Google: o dos 20%. Essa filosofia dizia que você podia usar 20% do seu expediente pra trabalhar em um projeto paralelo que o funcionário quisesse, mas tivesse relação com a Google, e isso ajudou a criar Google Maps, AdSense, Gmail e o Orkut.
O CEO da época, Eric Schmidt, e Marissa Mayer, que depois foi pro Yahoo e era diretora de produtos web na época, ajudaram o Orkut na concepção do site, incluindo na escolha do nome. Aí os 20% vira mais tempo, a equipe passa a ajudar na busca por bugs e o projeto fica pronto em 24 de janeiro de 2004.
Orkut tinha tons de azul e roxo, uma página relativamente leve e só o que o seu criador considerava o essencial. Você podia adicionar amigos, enviar recados pessoais em forma de scrap no mural, depoimentos que eram como se fossem homenagens, dizer que era fã de alguém e classificar amigos em cool, sexy e confiável. Cada perfil ainda tinha uma descrição, o “quem sou eu”. Ah, e tinha sempre aquele pensamento reflexivo meio brega da "Sorte do dia".
Quem queria um novo amor podia usar a crush list e ver se dava match — anos antes do Tinder.
No começo, você só podia entrar na rede social por convite e colocar apenas 12 fotos no álbum. Aliás, logo no começo a rede foi reescrita quase do zero pra migrar de ferramentas e plataformas, e esse processo que demorou um ano fez vários usuários dos Estados Unidos largaram do site pela instabilidade.
Uma das primeiras versões do Orkut.
A página “Bad, bad server. No donut for you” virou um clássico daquela época, o aviso de “Beta” nunca saia da página inicial e foi aí que o público internacional ficou maior que o local.
No segundo semestre de 2004, o Brasil já tinha 700 mil cadastrados lá, ou 51% do público. Mas os domínios do Orkut aqui e na Índia só vieram em 2005. Nunca antes na história do nosso país um serviço online foi tão popular. Se hoje muita gente não curte Facebook ou não sabe o que é Twitter, na época todo mundo com acesso à internet precisava ter Orkut.
É inexplicável como e porque ele bombou tanto, mas bombou. Muito famoso até adicionava todo mundo e, como o limite de amizades era baixo, tinha que criar perfis 2 e 3 pra gerenciar a galera. O Leo Jaime era uma dessas celebridades que bombavam por lá. E claro que você deve lembrar pelo menos do refrão dessa música.
Ele virou tema de reportagens, e quase sempre os jornalistas não faziam muito bem ideia do que estavam falando.
Em 2006, a Affinity Engines lá do começo da história acusa Orkut de roubar o código de seus produtos antigos, que não eram mais dele. Ele nega, a Google diz que não detectou crime, e o processo termina com um acordo.
Em 2007, vem o primeiro grande redesign. As cores ficaram mais suaves, as bordas ganharam curvas e a cara era mais profissional. E o Orkut em pessoa vem ao Brasil pra uma série de eventos. Ele participou de palestras em universidades, conversou com estudantes e visitou pontos turísticos.
Já em 2008, Orkut, a pessoa, sai da equipe do Orkut, o produto, e vira product manager da Google e passa a trabalhar em outros projetos da empresa. É nesse ano que ele ganha os temas personalizados e os chats. Mas a grande novidade é mesmo a transferência do comando da rede social pro escritório da Google Brasil, em Belo Horizonte, em uma parceria com a Índia, mas com poder de decisão maior.
Aí em outubro de 2009, com direito a coletiva de imprensa, a Google apresenta o Novo Orkut.
Fora o layout renovado, ele ganhou feed com atualizações de amigos, uma navegação mais rápida, facilidade em postar fotos e personalização na bio. Até videochat ele ganhou! No começo, acessar o novo Orkut pedia novamente um convite, e teve muito malandro mandando vírus com esse tema ou vendendo convites no MercadoLivre.
E várias novidades que foram incorporadas na interface não agradaram todo mundo. Tipo quando ele passou a dedurar quem tinha dado aquela stalkeada básica no seu perfil, por exemplo. Em 2008 nasceu o Buddy Poke, os avatares em 3D com a sua aparência pra interagir com os outros. Muita gente tímida deu a primeira paquerada virtual com os bonequinhos.
Em 2009, foi a vez do jogo Colheita Feliz virar uma febre entre pessoas de todas as idades. Ele ainda ganhou app pra Android e iOS. No auge, o Orkut chegou a ter um total de 300 milhões de usuários, e foi o terceiro site mais acessado do país.
A terceira grande mudança veio em 2011, com um novo logotipo e uma leve mudança visual. Mas o auge do Orkut já tinha passado, e em agosto de 2011 segundo o Ibope Nielsen, o Facebook virou a maior rede social do Brasil depois de sete anos de hegemonia.
Os motivos eram vários: o Orkut estava meio abandonado em desenvolvimento e investimentos, o Facebook cresceu em divulgação e rolava até um preconceito por causa da inclusão digital, e a criação do termo “orkutização” pra falar que algo ficou popular demais.
A última logo do Orkut.
A partir daí, foi só ladeira abaixo. O Orkut virou um lar de spam, as comunidades eram invadidas por jogos tipo “beija ou passa” e muitos crimes eram cometidos lá, de racismo até pedofilia. Em 2006, ele ficou perto de ser proibido no país pela justiça, mas nada aconteceu.
Mas falando de coisa boa, não dá pra negar que a melhor parte do Orkut eram as comunidades. A gente teve várias consagradas, como a maior do mundo, que era Eu Odeio Acordar Cedo, ou a Discografias, maior central de pirataria da internet brasileira. As comunidades de times de futebol e Cartola bombavam e eu não posso deixar de citar aqui a Futebol Alternativo, que era a minha favorita.
Tem ainda a clássica Tiger Robocop, a Anão vestido de palhaço mata 8, Lindomar o Sub-Zero Brasileiro, Eu abro a geladeira para pensar, a bizarra Profiles de Gente morta, Lênin de três, Eu Sempre Escolhia o Zangief, todas as variações with lasers, Não fui eu, foi meu eu lírico. E todas geraram pérolas incríveis, e felizmente várias foram eternizadas em prints. Claro que não dá pra citar todas aqui, então conta nos comentários quais eram as suas favoritas.
E várias pessoas famosas hoje na internet começaram por lá. O Cid, do Não Salvo, antes de montar o blog era dono de várias comunidades. E como esquecer de pessoas como a Katilce, uma ilustre desconhecida que do dia pra noite teve o scrapbook transformado em chat nacional porque subiu ao palco num show do U2 e deu um beijo no Boxo Vox?
O último design do Orkut antes do fechamento do site.
Aliás, o site nunca foi exemplo de segurança. Várias invasões aconteceram ao longo dos anos, e ele foi palco de malwares como o as fotos da festa ficaram ótimas e o “clique aqui para baixar o Orkut Ouro”. E tinha também o vírus do ursinho cinza, que a lenda dizia ser espalhado pelo site e que deveria ser deletado o mais rápido possível. Na verdade era uma ferramenta pra usar aplicativos em Java no Windows.
O fim do Orkut foi lento e doloroso. O Google+ foi lançado em 2011 e, apesar de sempre ter sido deserto, ganhou prioridade na empresa. Em 2013, o Serasa Experian mostrou que o Orkut perdeu 95% do público brasileiro. Ele tentou apostar em lives, parcerias com artistas, mas não deu certo.
Em 30 de junho de 2014, a Google anunciou que o fim aconteceria três meses depois.
A rede social foi encerrada ainda com 5 milhões de usuários ativos. Não era mais possível postar, criar perfis nem receber scraps e depoimentos. Um arquivo com as comunidades ficou disponível pra conferência, mas também saiu do ar. Além disso, dava pra fazer o backup de fotos e outros conteúdos da conta até setembro de 2016.
O Orkut pessoa não desistiu depois de ver o seu projeto morrer. Ele criou outra rede social, a Hello, que inclusive herdou o domínio do site anterior e tem como objetivo conectar pessoas por amizades profundas, não apenas gostos iguais. Lógico que ela não conquistou a popularidade do Orkut, mas não para de lançar novos recursos.
Tem ainda a Orkuti, com i no final, que tentou reviver a proposta do velho site e até se deu bem por algum tempo, mas também não prosperou. A rede social russa VK, que é bem parecida em interface e funcionamento, até recebeu alguns saudosistas, mas virou algo bem de nicho.
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A história do Orkut, a rede social favorita do Brasil [vídeo] via TecMundo