Ciência
10/02/2020 às 10:51•6 min de leitura
O Carnaval em Salvador é um dos mais tradicionais e animados do país. Durante os seis dias de festa, uma multidão de foliões toma as ruas, chegando a ocupar uma extensão urbana de cerca de 25 quilômetros, em um clima de pura farra e alegria. É uma grande manifestação popular e cultural, reunindo uma enorme diversidade de estilos, arte e ritmos musicais.
Nessa época, todos são bem-vindos para aproveitar a capital baiana e curtir o clima carnavalesco, mas nem sempre foi assim.
No início de sua história, o Carnaval baiano era extremamente elitista, sendo aproveitado por poucos. Entre 1870 e 1890, era festejado em bailes de clubes e desfiles nos bairros da classe média. Como em muitas cidades brasileiras, esses eventos possuíam inspiração europeia, com fantasias e carros alegóricos que seguiam o modelo italiano, e negros e mulatos eram impedidos de participar. É óbvio que isso não os impediu de criar sua própria versão da comemoração, que era muitas vezes considerada como algo clandestino, e acontecia principalmente na Baixa do Sapateiro.
Em 1895, começaram a se organizar os primeiros grupos carnavalescos de tradição afro, como os afoxés. Foram precisos mais 40 anos para que a festa de influência africana se espalhasse dos bairros populares para o Centro de Salvador. Essa mudança foi definitiva e o primeiro passo para transformar a folia baiana no que ela é hoje.
O Afoxé é um ritmo musical que teve sua origem no estado de Pernambuco, mas foi se espalhando rapidamente e logo tomou a Bahia. Esse ritmo, ao contrário do que muitos podem imaginar, está longe de ser apenas um bloco carnavalesco, tendo vínculos muito profundos com as manifestações religiosas dos terreiros de candomblé.
Atualmente, além dos blocos desse estilo existem os afros, que se tornam cada vez mais numerosos, com muita riqueza visual e uma musicalidade própria. Esse estilo de arte é tão poderoso que ultrapassou as barreiras do Carnaval e conquistou seu espaço na cultura brasileira em geral. Os mais famosos nacionalmente, e que estão sempre presentes na mídia, são grupos como o Araketu e Ilê Aiyê, conectados a blocos com os mesmos nomes.
O Olodum é um bloco afro muito famoso no Carnaval na capital baiana. Ele foi fundado em 25 de abril de 1979, durante o período carnavalesco como opção de lazer aos moradores do Maciel-Pelourinho, para garantir que tivessem direito de curtir a festa em um bloco e de maneira organizada.
O mais legal é que também são uma ONG do movimento negro brasileiro, e suas ações visam combater a discriminação racial, estimular a autoestima e o orgulho dos afro-brasileiros, além de defender e lutar pelos direitos civis e humanos das pessoas marginalizadas tanto no estado quanto em todo o país.
Depois de sua estreia no carnaval de 1980, a banda Olodum ficou muito famosa não só no Brasil, mas também no mundo inteiro. Eles chegaram a se apresentar países da Europa, no Japão e por quase toda América do Sul, além disso gravaram músicas com Pet Shop Boys, Caetano Veloso, Wayne Shorter, Herbie Hancock, Jimmy Cliff e Michael Jackson (They don't care about us).
O bloco, banda e ONG também possui uma escola, que ajuda no desenvolvimento da cidadania e preservação da cultura negra, oferecendo formas de conhecimentos adicionais além das que podem ser adquiridas através do nosso sistema formal de ensino.
A Escola Olodum se transformou em um verdadeiro espaço de participação e expressão da comunidade negra. Atualmente, ela é uma referência nacional e internacional por sua inovação no trabalho com arte, educação e diversidade cultural.
O axé, ou axé music, é um gênero musical que surgiu na Bahia em 1980, durante as manifestações populares do Carnaval de Salvador. O ritmo é uma grande mistura de ijexá, samba-reggae, frevo, reggae, merengue, forró, samba duro, ritmos do candomblé, pop rock, e outros estilos afrobrasileiros e afrolatinos.
Cantores como Daniela Mercury, Margareth Menezes e Luiz Caldas ajudaram a projetar o axé music por todo o país. Ele se espalhou rapidamente, gerando as famosas micaretas (que são uma espécie de Carnaval fora de época), e ganhou muito impulso na indústria musical, produzindo sucessos o ano inteiro.
Infelizmente, muitos críticos acreditam que esse estilo musical tem entrado em declínio nos últimos anos, não pela diminuição de sua popularidade, mas sim porque as músicas novas não aparentam ter a mesma força que as canções antigas. Os principais grupos favoritos de axé do país continuam sendo os mesmos da década de 1990 e início dos anos 2000, e os novatos não conseguem atingir o mesmo nível de expressão de seus antecessores. Isso traz a preocupação de que o ritmo baiano não seja capaz de se renovar com uma nova geração, e perca sua relevância quando seus representantes mais antigos decidam parar de se apresentar.
Além dos trios elétricos serem uma parte icônica do Carnaval de Salvador, eles permitiram a criação de uma nova indústria fora do eixo Rio-São Paulo. Antes de sua notoriedade, se algum artista queria se destacar no cenário cultural, era preciso vir para o sudeste. Com essa inovação, os cantores nordestinos puderam alcançar mais espaço no cenário da música nacional.
E tudo começou em 1950, quando o Clube Carnavalesco Misto Vassourinhas do Recife tinha uma apresentação para fazer no Rio de Janeiro e, como a embarcação na qual viajavam teria que fazer uma escala na capital baiana, a prefeitura da cidade os convidou para também se apresentarem por lá.
No dia 31 de janeiro, o clube realizou seu desfile pelas ruas de Salvador, uma grande folia que contava com cordões, pessoas fantasiadas e 65 músicos tocando fanfarras, um momento importante que iria revolucionar a história da música popular brasileira.
Obviamente que a multidão logo ficou empolgada e passou a acompanhar o cortejo, mas quando estavam chegando em uma das principais ruas da cidade, um dos músicos pernambucanos acabou se ferindo, e o clube precisou interromper a apresentação. Isso foi extremamente frustrante para quem estava acompanhando a festa e para aqueles que esperavam ansiosamente para ver a folia nas próximas ruas.
Dois amigos, Antonio Adolfo Nascimento (que tinha o apelido de Dodô) e Osmar Álvares Macedo viram a empolgação do público com o frevo pernambucano, assim como a tristeza que a interrupção do desfile provou. Dodô era dono de uma oficina mecânica, e ao avaliar a situação, ele e Osmar tiveram a ideia de adaptar um Ford 1929, conhecido popularmente como fobica na época, ligando um violão e um protótipo de guitarra a bateria do automóvel e saindo pelas ruas executando as músicas recifenses. E assim começava a dupla elétrica, Dodô e Osmar.
O “trio elétrico” só foi surgir no ano seguinte, quando os amigos trocaram o carro por uma pick-up Chrysler Fargo e chamaram Temístocles Aragão para tocar um instrumento chamado triolim (guitarra tenor).
Em 1952, eles adicionaram mais inovações, chegando a um total de oito alto-falantes, geradores adicionais, e receberam o apoio da fábrica baiana de refrigerantes Fratelli Vita. Já em 1953 a invenção passou a ser copiada por outros grupos, conhecidos como: 5 Irmãos, Ipiranga e Conjunto Atlas. Isso foi o ponto alto para consagrar o conceito do trio elétrico, e em 1959 os trios se apresentaram em Recife, sendo patrocinados pela Coca-Cola, mostrando de uma vez por todas que chegaram para ficar no circuito carnavalesco.
Na década de 1960, a Prefeitura de Salvador passou a promover concursos de trios elétricos, tornando os desfiles dos trios uma tradição na Bahia. Na mesma época, eles começaram a se ligar a blocos, usando como identificação camisões coloridos chamados na época de mortalhas (que seriam os avôs dos abadás), e passaram a isolar os demais foliões usando cordas de separação. E em 1969, Caetano Veloso lança a canção Atrás do Trio Elétrico, que divulga a atração antes restrita aos dois estados nordestinos para todo o Brasil.
Porém a profissionalização dos trios só começou em 1970, assim como o modelo que é tão conhecido atualmente. Até aquele momento, as músicas deste estilo de entretenimento eram todas instrumentais, com o primeiro cantor, Morais Moreira, subindo no trio elétrico do grupo Tapajós em 1978. O cantor explicou depois que a ideia de ter alguém cantando surgiu depois de uma conversa com Gilberto Gil, que achava necessário "botar uma força no trio", porque não aguentava mais escutar as mesmas coisas sendo tocadas.
Com o decorrer dos anos, os veículos passaram a ser cada vez mais aperfeiçoados, e já nos anos 80 existiam alguns com palcos giratórios e elevadores automáticos.
Atualmente, além de sua importância para o carnaval nordestino, o trio elétrico também se tornou um item estratégico para a administração pública e para a economia local, auxiliando negócios no turismo cultural, ajudando no surgimento e manutenção de novos artistas e organizações como blocos, afoxés, e trios independentes, além de gerar novos produtos (abadás, discos, shows...). Até a própria fabricação e aluguel dos veículos serve como uma forma de movimentar grandes fortunas todos os anos. E pensar que tudo isso começou com dois amigos e uma fobica, hein?
Em 2020, as comemorações de carnaval em Salvador começam a partir dos dias 15 e 16 de fevereiro com o Fuzuê e Furdunço, que antecedem a abertura oficial. Depois disso, a programação oficial vai durar do dia 20 até 26 de fevereiro. Os eventos carnavalescos na cidade costumam atrair mais 1 milhão de turistas todos os anos, e essa vez provavelmente não será diferente.
O carnaval da capital baiana é muito popular pela energia contagiante de sua folia, e as festas vão rolar em três principais circuitos: Dodô (Barra-Ondina), Osmar (Campo Grande-Avenida Sete) e Batatinha (Centro Histórico).
Os camarotes e a maioria dos blocos do carnaval são pagos, e para participar é preciso adquirir um abadá. Mas para quem não pode ou não pretende gastar muito, a melhor opção é acompanhar os blocos sem cordas e curtir a programação do Carnaval Pipoca que esse ano contará com grandes atrações nacionais como Ivete Sangalo, Alok, Bell Marques e vários outros.
Para quem estiver atrás de uma programação mais alternativa, é legal dar uma conferida no Palco do Rock, na Villa Infantil e no Carnaval dos Bairros, que acontece em Cajazeiras, Periperi, Itapuã, Liberdade, Boca do Rio, Plataforma e Pau de Lima.
Em 2019, as festividades carnavalescas em Salvador contaram com mais de 200 atrações e 700 apresentações nos circuitos oficiais.