Ciência
10/02/2020 às 10:56•6 min de leitura
Em Nova Orleans, o clima festivo dura o ano inteiro. Colonizada por franceses e espanhóis e povoada por descendentes de escravos africanos, além de imigrantes alemães, italianos e irlandeses, o local é uma grande mistura multicultural e racial que o diferencia de qualquer outro nos Estados Unidos. A capital do jazz está sempre envolta em música e comemorações, mas seu período mais agitado é durante o Mardi Gras, o Carnaval de lá. Durante esta época, bandas e carros alegóricos tomam as ruas, principalmente no French Quarter, o bairro mais antigo e famoso da cidade.
A comemoração do Mardi Gras chegou à América do Norte em 1699, com o explorador franco-canadense Jean Baptiste Le Moyne Sieur de Bienville, e ao perceber que era a véspera da grande festa carnavalesca, ele dá ao seu acampamento o nome de Point du Mardi Gras (Ponto do Mardi Gras). Algum tempo depois, explorador realizou um pequeno baile de gala no acampamento, que estaria posicionado 97 quilômetros da atual cidade de Nova Orleans.
A partir de 1703, os soldados e colonos franceses passaram a comemorar a festa na recém-fundada cidade de Mobile, que foi capital do território francês de Louisiana até o momento que o título foi transferido para Nova Orleans em 1718. A partir deste ponto, a data passa a ser oficialmente celebrada em elegantes bailes da alta sociedade, que servem como modelo para eventos similares até hoje.
Em 1837, mais de cem anos depois, a folia finalmente toma as ruas da atual capital com o primeiro desfile de Mardi Gras. Em 1856, quando atos violentos quase colocaram um fim em tudo, seis empresários se reuniram em uma sala de um clube no bairro francês, para organizar uma sociedade chamada Mistick Krewe of Comus, com o intuito de formalizar o evento. Nesta época, houve uma parada com imensos carros alegóricos, que eram conduzidos por negros portando tochas.
Depois disso, novos krewes começaram a surgir e a cidade passa a criar seus próprios carros alegóricos, que até aquele ponto, eram fabricados na França. Em 1872, o Grão-Duque russo, Aleixo Alexandrovich Romanoff, visita à cidade e é o convidado de honra do desfile do Rex (o rei do Carnaval). Romanoff ficou tão encantado que decidiu oferecer as cores oficiais de sua família para o carnaval de Nova Orleans: roxo, dourado e verde.
E finalmente, em 1875, o governador do estado, Warmoth, assina o Mardi Gras Act, declarando o evento como um feriado oficial no estado de Louisiana.
A evolução dos Krewes e desfiles ao longo do tempo, transformaram a festa carnavalesca em uma celebração que combina tradição cultural e muito agito, atraindo turistas de todo o mundo para celebrar no estilo de Nova Orleans.
Algumas condições como guerras e problemas econômicos, políticos e climáticos (como o Furacão Katrina) já causaram o cancelamento de alguns ou de todos os principais desfiles do Mardi Gras, especialmente a Guerra da Secessão, a Primeira Guerra Mundial e a Segunda Guerra Mundial, mas a capital da Louisiana sempre encontrou um modo de curtir seu Carnaval.
O Mardi Gras não se concentra em festas em clubes e desfiles em espaços particulares, como é comum nas nossas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. Uma forma de entender bem a festa por lá e através de uma comparação bem superficial com Salvador, onde todo mundo se diverte nas ruas. Mas a capital da Louisiana se difere da baiana em um ponto muito importante: nada de trios elétricos com artistas lá no alto, intocáveis. Em Nova Orleans, pequenas bandas portando instrumentos de sopro caminham no meio de todos, com as pessoas pulando e dançando atrás.
Os bares não costumam fechar e ficam lotados, sendo tomados pelos figurinos os mais bizarros. Como é o único momento no qual é liberado o consumo de bebidas alcoólicas em público, a galera aproveita para beber até cair, enchendo as ruas com uma grande farra. O ponto principal de convergência dos foliões é a Avenida Clair Borne; onde os mais curiosos e diferentes grupos se misturam, usando fantasias bem excêntricas.
Mas um detalhe é muito importante, a comemoração acaba prontamente à meia-noite na Quarta-Feira de Cinzas, então se decidir conhecer essa festa, não espere continuar as comemorações até a manhã de quarta-feira, como acontece muitas vezes aqui no Brasil.
Outra parte importante das comemorações carnavalescas de Nova Orleans são as chamadas parades, espécies de desfiles que acontecem em várias áreas da cidade. Nelas, algumas pessoas vão a pé tocando instrumentos e fazendo coreografias no chão, enquanto outras seguem em cima de enormes carros alegóricos completamente decorados. É o único momento no qual a população em geral não pode se misturar aos integrantes do desfile, sendo apenas possível observar das calçadas e aproveitar a vista.
Mas isso não quer dizer que eles são menos queridos pelo público, e a paixão em acompanhar os desfiles é tanta que muitos costumam acampar de um dia para o outro só para garantir uma visão privilegiada. Famílias estacionam seus carros nos canteiros por onde as parades irão passar, levando equipamentos sonoros, cadeiras, muita comida (os mais ousados aproveitam até para fazer um churrasquinho) e tudo o que for preciso para ficar ali o dia inteiro.
Ao longo do Mardi Grass, mais de 50 grupos realizam seus desfiles ao longo da cidade. Muitos começam duas semanas antes das celebrações oficiais, mas os mais populares, como Endymion, Bacchus, Zulu e Rex que acontecem de sábado até a terça de Carnaval.
O Zulu Parade é um dos mais icônicos, e tudo começou em 1916, com a criação do tradicional grupo The Zulu Social Aid & Pleasure Club (Clube de Ajuda Social e Diversão Zulu).
Neste desfile, os integrantes são em sua maioria afro-americanos, que usam saias feitas de grama e pintam seus rostos de preto. Além disso, costumam atirar cocos pintados à mão para quem estiver presente, e as pessoas lutam para pegar cada um deles. Segundo a tradição, quem consegue pegar um dos cocos tem sua boa sorte garantida.
Em Nova Orleans, as fantasias e máscaras raramente são usadas publicamente por aqueles que não participam de um Krewe nos dias que antecedem a terça de Carnaval (com exceção nas festas, é claro). Mas seu uso é muito frequente no Mardi Gras - ou Terça-feira Gorda - sendo que as leis contra a ocultação da identidade com a utilização de máscaras são suspensas neste dia. Por motivos de segurança, os bancos fecham e estabelecimentos que precisam continuar abertos colocam placas solicitando que as pessoas removam suas máscaras antes de entrar.
E os foliões capricham em suas fantasias e adereços, casais combinam suas roupas, grupos de amigos escolhem temas, famílias usam peças similares e é possível ver muitas fantasias criativas e bem-humoradas que servem até como críticas sociais em alguns casos.
Outra característica muito peculiar desta comemoração e que é impossível de ser ignorada, são os colares de contas. Por toda a cidade, é possível ver pessoas jogando colares de bolinhas coloridas ou usando dezenas desses acessórios em seus pescoços.
Estes colares são os enfeites mais tradicionais do Mardi Gras, e segundo os registros, começaram a surgir em 1872. Naquele ano, um grupo de empresários da cidade criou um rei para o Carnaval, que era chamado de Rex e atirava cordões de amêndoas cobertas de açúcar para o público durante o seu desfile.
Em 1900, as alas dos desfiles passaram a jogar colares mais baratos, feitos com contas de vidro. Essas peças se tornaram um sucesso instantâneo tanto com os moradores da capital do jazz quanto entre os turistas que visitavam o local para aproveitar as festividades.
Acredita-se que um homem vestido de Papai Noel foi o primeiro a incorporar as contas em sua fantasia durante um desfile de Nova Orleans. A moda pegou e logo outras pessoas seguiram o exemplo, usando os acessórios como parte de seus adereços carnavalescos. Atualmente, as contas são confeccionadas em plástico, um material muito mais seguro do que o vidro para ser arremessado e usado por foliões embriagados.
Aqui no Brasil, nós temos as famosas escolas de samba, que trabalham o ano inteiro para garantir desfiles impecáveis durante o Carnaval. E Nova Orleans tem sua própria versão das nossas escolas: o Mardi Gras World.
O “Mundo do Mardi Gras” é um grande barracão onde são feitos os grandes bonecos, fantasias, alegorias e carros que tomam a cidade durante a época carnavalesca. Ele pode ser visitado o ano inteiro e funciona 7 dias por semana. Aqueles que decidirem visitar verão todo o tipo de artesãos trabalhando sem parar para garantir que a próxima festa também seja impecável.
Além disso, o local oferece aos seus visitantes a oportunidade de vestir alguns trajes autênticos da celebração, e a excursão também inclui um vídeo e um passeio sobre a história e os costumes do carnaval da cidade. O mais legal é que também é possível experimentar um pedaço do King Cake, um bolo especial e tradicional no Mardi Gras que possui as três cores oficiais, e é feito em homenagem aos Três Reis Magos.