Ciência
11/12/2020 às 15:00•3 min de leitura
A última vez que entrou em erupção o vulcão Cumbre Vieja, localizado em La Palma, Arquipélago das Canárias (Espanha), foi em 1971. Ele é o único vulcão que pode causar um tsunâmi tão catastrófico e anormal que devastaria o litoral do Brasil. Isso porque com seus 1.949 metros de altitude, ele possui falhas na estrutura da ilha que o sustenta, o que poderia causar o desmoronamento de mais de 500 toneladas de terra no leito do oceano Atlântico, gerando um terremoto que formaria um megatsunâmi que atingiria toda a costa leste das Américas, a costa oeste da África e o litoral da Europa ocidental.
Fora isso, é praticamente impossível existir tsunâmi no Brasil, visto que o país está localizado no centro de uma placa tectônica, onde os terremotos podem até ocorrer, porém em proporções quase insignificantes.
No passado, os tsunâmis eram confundidos com os maremotos, embora ambos tenham uma conexão por serem fenômenos que podem ser provocados por abalos sísmicos no assoalho oceânico ou por atividades vulcânicas, suas causas e efeitos podem também ser distintas.
Os maremotos tendem a acontecer periodicamente, dependendo mais da posição da Terra relativa à Lua, o que determina a altura da onda a partir de sua força gravitacional exercida — por isso, as marés costumam subir muito durante as fases de Lua nova e cheia.
Os maremotos também costumam acontecer em baías e regiões costeiras mais estreitas, onde o nível da água pode subir vários metros em poucas horas. Uma onda gigante consegue atingir 30 metros de altura, porém, para ser considerada tsunâmi, ela deve ser gigante em relação ao seu comprimento, atingindo até 100 quilômetros, em vez dos 100 metros que uma onda de um maremoto alcança.
Quando a expedição do navegador português Gaspar Lemos, em 1502, chegou em São Vicente, atualmente um dos litorais mais famosos do estado de São Paulo, ela era batizada pelos indígenas como Ilha de Gohayó. O navegador Martim Afonso de Sousa, um católico fervoroso, foi o responsável por alterar o nome para São Vicente, em homenagem ao mártir Vicente de Saragoça, que foi canonizado e se transformou em um santo padroeiro de Lisboa.
Levaram-se anos para que o assentamento da Vila de São Vicente, ocupado pela comitiva portuguesa, ficasse totalmente pronto. Domingos Pires e Pascoal Fernandes rumaram para uma região onde hoje é a praia de Itararé, construindo um oratório, o de São Jerônimo, o primeiro padroeiro do lugar.
De acordo com um registro histórico feito pelo frei Gaspar da Madre de Deus no século XVIII, com base nas atas da Câmara, no final de 1541, um maremoto atingiu a Vila de São Vicente e causou a morte de alguns habitantes, dos cerca de 150 que moravam na região. “Hoje é mar o sítio [o local] onde esteve a vila”, relatou o frei em um dos arquivos preservados até hoje.
No entanto, a escassez dos documentos dificulta a construção de uma linha do tempo dos fatos. As consequências do maremoto foram observadas na transferência da sede da Vila para o Porto, onde já existia uma capela construída por Luís Góes e dedicada à Santa Catarina, a segunda padroeira de São Vicente. O local teria ficado muito povoado depois do súbito cataclismo ter destruído as casas e inundado onde havia uma grande faixa de terra.
Naquela época, não era difícil as casas serem devastadas, pois eram muito frágeis. Elas eram feitas de pau a pique ou de taipa de pilão com argamassa de terra preparada em forma de madeira e socada com pilão. Qualquer ressaca um pouco mais forte as levaria com facilidade.
Tendo como base documentos deixados pelo espanhol Alonso de Santa Cruz, o historiador Mario Neme disse que a Ilha de Urubuqueçaba, perto da praia de José Menino (Santos), na verdade deveria fazer parte das terras marginais, mas foi coberta pelo maremoto. Isso comprova que o fenômeno também foi responsável por alterar a geografia de São Vicente, que talvez fosse diferente de como a enxergamos hoje.
A Igreja Matriz, o maior prédio de São Vicente, e o pelourinho, ponto de referência onde as novas leis eram lidas para a população nos séculos passados, também foram afetados pela onda e ficaram submersos. O porto, que era a fonte de lucro e fazia a administração da economia do lugar, foi transferido para o norte da ilha, onde está até hoje. No entanto, de acordo com o historiador Marcos Braga, então coordenador da Casa Martim Afonso, em São Vicente, o porto não teve mais a mesma função devido ao assoreamento da baía.
Em 1543, foi feito o primeiro resgate subaquático da história do Brasil. Membros da Câmara designaram Jorge Mendes e Jerônimo Fernandes para a tarefa de resgatar o pelourinho das águas sob a oferta de 570 réis, sendo que 300 réis seria para retirá-lo das águas, mais 20 réis seria para transportá-lo até um local seguro e os outros 250 réis para reerguê-lo. Além disso, Pedro Colaço teria recebido 50 réis para resgatar um sino de bronze da Igreja Matriz que também estava submerso.
Em 1555, a Câmara ordenou que a nova Igreja Matriz fosse erguida a aproximadamente 300 metros acima do nível do mar e com os fundos voltados para o oceano Atlântico. A vila como um todo foi realocada e construída um pouco mais acima do nível do mar para tentar evitar possíveis maremotos no futuro.
Ainda há uma curiosidade muito grande por parte da comunidade de história para saber o que exatamente aconteceu. O oceanógrafo Michel Michaelovitch de Mahiques sugere que a onda poderia ter sido provocada pelo enorme escorregamento de um talude natural (plano de terreno inclinado) para dentro do oceano. Contudo, as questões ainda são muitas e por isso talvez nunca saberemos a resposta exata.