Ciência
10/03/2021 às 10:00•4 min de leitura
Cada horário de novela da Rede Globo tem características bem marcantes: o das 18h serve mais a histórias românticas, com muitas obras de época; o das 19h é voltado à comédia; e o das 20h/21h é o principal, com enredos densos e cenas mais dramáticas.
Com frequência, o horário das 19h é tido como aquele que dá mais espaço para narrativas "estranhas". Foi nessa faixa que vimos obras como Kubanacan (2003), que falava sobre viagem no tempo em uma ilha caribenha nos anos 1950; Bang Bang (2005), que se passava no Velho Oeste norte-americano; e Morde & Assopra (2011), com histórias sobre dinossauros e a inesquecível cena da robô Naomi se revelando em um julgamento — tão ruim, mas tão ruim, que dá a volta e fica bom.
Todas essas produções são posteriores a Vamp, que foi ao ar entre julho de 1991 e fevereiro de 1992. Até então, o horário das 19h era dominado por comédias paulistanas sofisticadas de Silvio de Abreu e Cassiano Gabus Mendes, que chegou a experimentar outros gêneros quando escreveu a novela de época Que Rei Sou Eu, de 1989.
Vamp colocou vampiros batalhando na tevê da família brasileira em pleno horário do jantar. A novela chegou agora em março ao Globoplay, o serviço de streaming da Globo, e ganhou um especial do Mega Curioso. Para conferir os outros, clique nos links a seguir:
Vamp saiu da cabeça e das máquinas de escrever de Antônio Calmon, que 2 anos antes tinha sido responsável por um dos maiores sucessos das 19h:Top Model. Ao projeto Memória Globo, ele relatou que propôs a ideia a um diretor da Globo quando os dois estavam em um voo — e ela foi aceita na hora. Para a direção-geral, foi escalado Jorge Fernando, falecido em 2019, responsável por várias das melhores novelas de comédia que já vimos, como Guerra dos Sexos (1983).
A história de Vamp é centralizada na roqueira Natasha (Cláudia Ohana) que, no primeiro capítulo, vende sua alma ao terrível vampiro Vlad (Ney Latorraca) em troca do sucesso e vira uma chupadora de sangue. Poucas cenas depois, ela parece arrependida e o anjo Rafa (Marcos Breda) lhe explica como destruir o vilão: ela deve encontrar a Cruz de São Sebastião em uma cidade chamada Baía dos Anjos. Um homem justo deve manipular o artefato.
Agora, este redator que vos escreve confessa que nunca tinha assistido a qualquer capítulo de Vamp, até porque nasceu em novembro de 1992, alguns meses depois de a novela acabar. Eu sabia da história com base no que as pessoas comentavam e por vídeos no YouTube, por isso pensava que toda a questão de Natasha e Rocha era um mistério resolvido apenas "nos finalmentes" da novela. Mas não: logo no primeiro capítulo, quando Rafa conta quem é o homem que pode salvar a roqueira vampira, a imagem corta para o capitão Jonas (Reginaldo Faria). Tudo bem explicadinho.
A abertura de Vamp é um capítulo à parte, uma das melhores da história da Globo. Ela foi criada para parecer um videoclipe, como os da cantora Natasha, e resume a história em 1 minuto, com a cantora se transformando em vampira. A canção "Noite Preta", da saudosa Vange Leonel, marcou época.
Eu assisti aos primeiros cinco capítulos de Vamp de sábado para domingo para escrever este texto. Fiquei surpreso porque, logo na primeira sequência da novela, vemos o exorcismo da última encarnação de Vlad e um diálogo sobre vender a alma ao diabo. Era uma novela das 19h, não era? Imagino as famílias da época, chocadas…
Mas logo a comédia começa a tomar a cena. O capitão Jonas é um marinheiro viúvo que cuida de seis filhos com rigidez militar. Ele se apaixona por Carmem Maura (Joana Fomm), uma historiadora avoada que também é viúva e tem seis filhos criados de forma muito mais livre. Esse tipo de união já foi mostrado em filmes norte-americanos, antes e depois de Vamp, mas é um dos pontos mais divertidos da novela. Destaque para Fábio Assunção, ainda novinho, como Lipe, o filho mais velho de Jonas.
Outros personagens que ganham destaque nos mais de 170 que se seguem são o assaltante Jurandir (Nuno Leal Maia), que finge ser padre e vira amigo das crianças no processo, e Mary (Patricya Travassos), uma ex-atriz pornô apaixonada por Jonas, mas que se casa com o empresário Matoso. Os dois são vampirizados no decorrer da história e formam um dos núcleos mais engraçados de Vamp.
Isto é algo que resume a trajetória de Vamp: a novela vai ficando cada vez mais caricata e puxada para a comédia. A certa altura, Vlad dança "Thriller" no cemitério, por exemplo. É divertido ver os atores sofrendo para falar com os dentões de vampiro; até o veterano Paulo Gracindo — o Odorico de O Bem-Amado, assunto de nosso último especial sobre novelas — entrou na brincadeira.
Ao Memória Globo, os diretores Jorge Fernando e Fábio Sabag contaram que Vamp não tinha pós-produção ou efeitos especiais complexos. Para um vampiro surgir em cena, era necessário travar a câmera, e tudo era propositalmente tosco para dar um tom mais cômico para a novela.
Isso, somado aos núcleos jovens dos filhos de Carmem e Jonas e ao apelo da roqueira Natasha, foram fatores que tornaram a novela sucesso entre jovens — muito antes de Crepúsculo e The Vampire Diaries, que trouxeram os vampiros para a cultura pop internacional anos mais tarde. Quem hoje tem entre 30 e 40 anos de idade provavelmente tem Vamp na memória afetiva.
O sucesso foi tanto que Calmon tentou fazer outra novela com o mesmo tema: O Beijo do Vampiro, de 2002. Essa marcou a geração nascida nos anos 1990, mas não chegou nem perto do êxito da original. Latorraca e Ohana até estrelaram um musical de Vamp como Vlad e Natasha em 2017.
Quem gostou de Vamp quando criança ou adolescente talvez não consiga acompanhar os 179 capítulos no Globoplay agora. Tem coisas que não passam por um critério mais adulto, como alguns diálogos meio rasos e a atuação dos atores do núcleo jovem, mas vale a pena conferir alguns episódios, nem que seja para matar a saudade ou entender por que Vamp é um clássico.