Ciência
10/10/2021 às 12:00•3 min de leitura
Foi em 1725, durante uma caça na atual floresta Hertswold, no norte da Alemanha, que um grupo de homens encontrou um menino sozinho, completamente nu, de cabeleira comprida e emaranhada, unhas longas, pele muito agredida pelo sol. Ele também estava imundo da cabeça aos pés e magro como se tivesse vivido na floresta por algum tempo à base de uma dieta de plantas e nozes.
Além de não conseguir andar ereto e ter uma habilidade para subir em árvores de maneira rápida, o menino parecia incapaz de se comunicar com eles, visto que apenas respondia às perguntas usando uma variedade de grunhidos e guinchos. Portanto, os homens estimaram também que ele tinha cerca de 12 anos, e o nomearam Peter, o Menino Selvagem.
Quando os caçadores chegaram com o menino na cidade, alguns habitantes locais o reconheceram, alegando que ele ia periodicamente ao centro para furtar e também, curiosamente, roubar beijos de senhoras. Com esses relatos, também surgiu o boato de que Peter tivesse sido abandonado na floresta ainda quando criança, criado por animais selvagens desde então.
Apesar do histórico controverso do jovem, os moradores finalmente começaram a se interessar mais por ele e iniciaram um esforço para encontrar sua família. Contudo, ninguém jamais reivindicou a paternidade do menino, apesar de toda a divulgação feita.
(Fonte: The Public Domain Review/Reprodução)
Como Peter se tornou o centro das atenções, não demorou muito para que sua história chegasse aos ouvidos do rei George I da Grã-Bretanha, que ficou fascinado e obcecado com tudo, exigindo que o menino fosse levado até o Palácio de Kensington. O súbito interesse também partiu da nora do rei George, a princesa Caroline de Gales.
Quando ele pisou em território real, Peter não saiu mais. A princípio, ele foi tratado e mantido como uma espécie de "animal de estimação" da corte, servindo para entretê-los — apesar de ter sido tratado com gentileza.
Rei George I. (Fonte: Pinterest/Reprodução)
Caroline de Gales foi a principal tutora do menino selvagem, que enfrentou diversos desafios de adaptação ao novo estilo de vida ainda mais complexo. Ele só comia com as mãos, bem como resistia em usar roupas, se sentindo mais confortável dormindo no chão do que em uma cama.
Para tentar resolver essa situação, Caroline de Gales contratou o Dr. Arbuthnot para preparar uma agenda de educação formal para Peter e ajudá-lo a desenvolver suas habilidades sociais básicas. Ela ainda contratou uma equipe de servos para ensiná-lo cuidados diários básicos, incluindo de higiene, fornecendo disciplina sempre que necessário.
Caroline de Gales.(Fonte: Pinterest/Reprodução)
Com tempo e muito empenho dos professores, Peter acabou aprendendo a andar ereto e pareceu começar a gostar de sua nova vida. Ele se tornou, especialmente, um amante de música e conseguiu estabelecer um bom relacionamento com alguns membros da equipe do rei.
Após 11 de junho de 1727, com a morte do rei George I, Peter embarcou em sua jornada de passar de casa em casa, ao ficar órfão da família real que, tão rápido se interessou e manteve carinho por ele, desprezou-o.
O menino acabou sendo acolhido por um fazendeiro chamado James Fenn, segundo o Visit Norwich. Peter fugiu do local em 1751, quando foi preso em Norwich ao ser confundido com um sem-teto. Visto que ele ainda não sabia como se comunicar verbalmente, as autoridades não puderam identificar sua identidade e o enviaram a uma instituição correcional chamada The Bridewell.
Enquanto isso, um Fenn desesperado anunciou em todos os jornais o sumiço de Peter, implorando pelo retorno dele, que só aconteceu quando se reencontrou com ele na cadeia meses após sua prisão. Assim que foi solto, ele foi forçado a usar uma coleira de latão com seu endereço e informações de identificação gravadas.
Peter viveu com Fenn até que o guardião morresse, sendo adotado por um fazendeiro chamado Brill. Com ele, o órfão feral desenvolveu uma forte relação, e nunca mais fugiu de casa.
(Fonte: The Public Domain Review/Reprodução)
Com o falecimento de Brill, Peter se recusou a comer e morreu por inanição, aos 73 anos, em meados de 1785. Ele foi enterrado em St. Mary’s Northchurch.
Até hoje não se sabe quanto Peter foi tratado como um ser humano ou um animal de estimação. Os historiadores presumem que o seu comportamento e incapacidade de se comunicar verbalmente ia muito além de sua criação selvagem, e que talvez ele tivesse alguma deficiência mental. Isso, inclusive, corroboraria o fato de ele ter sido abandonado na floresta, visto que no século XVIII era muito comum os pais fazerem isso com crianças que possuíam qualquer tipo de déficit, fosse físico ou mental.
Em uma das hipóteses, os pesquisadores apontam para um quadro de Síndrome de Pitt-Hopkins, uma doença genética semelhante ao autismo. Além de causar atrasos no desenvolvimento mental, também é responsável por anormalidades físicas, incluindo cabelos crespos grossos, olhos semicerrados, baixa estatura, dedos das mãos fundidos e capacidade limitada ou nenhuma capacidade de se comunicar verbalmente. E ainda, pessoas portadoras de Pitt-Hopkins também preferem ficar nuas, pois as roupas são enxergadas por elas como restritivas e desconfortáveis.
A única coisa que restou sobre a história de Peter, o Menino Selvagem, foi sua coleira de latão, atualmente preservada na Berkhamsted School, na Inglaterra.