Ciência
21/11/2021 às 07:00•3 min de leitura
Seu título oficial é Diabo, mas ele tem vários nomes: Satanás, Lúcifer, Belial ou Belzebu. Nos primeiros séculos do cristianismo, houve pouca necessidade de se fazer representações desse personagem na arte religiosa. Nessa fase inicial, os cristãos consideravam os deuses pagãos, a exemplo do grego Pã, como demônios. Doenças, desastres naturais, guerras e tudo o que de ruim existisse eram culpa deles.
Foram necessárias algumas centenas de anos até que Satanás surgisse na arte ocidental. Essas primeiras representações tinham muitas semelhanças com as dos deuses pagãos, como as pernas de cabra de Pã e os pelos faciais de Bes, uma divindade egípcia.
(Fonte: National Debat/Reprodução)
Edin Sued Abumanssur, professor de Teologia e Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), em entrevista à BBC, destaca que até o século XI a figura do Diabo era quase sempre representada com características humanas.
(Fonte: Mystic Post/Reprodução)
Segundo o professor, ao longo dos séculos é evidente existir uma relação entre questões sociais, interesses diversos, política e a maneira como Satanás é representado.
Para os primeiros autores cristãos, como Santo Agostinho, o Diabo era apenas um anjo caído; ou seja, era um ser ruim apenas por ter se revoltado contra seu criador. No entanto, sua substância angelical foi mantida. Além disso, não era uma criatura física.
Todavia, se desejasse assumir forma física, ele poderia escolher a aparência menos maléfica possível, como a de uma criança, alguma forma sagrada ou uma mulher, de modo a conseguir enganar melhor suas vítimas. Contudo, na Idade Média muitos artistas passaram a considerar que as representações de Satanás deveriam ser mais aterrorizantes.
Foi na Idade das Trevas que as características mais famosas e reconhecíveis do Diabo surgiram. Também foi nesse período que aconteceu a mudança mais drástica desse personagem bíblico.
(Fonte: Threat Post/Reprodução)
Vale lembrar que estamos falando sobre uma época da humanidade caracterizada por imensas dificuldades, cenário que piorou com o surgimento da peste negra, que ceifou a vida de milhões de pessoas na Europa do século XIV.
É claro que, com a Igreja sendo incapaz de proteger seus fiéis da doença, as representações artísticas de Satanás se voltaram para os horrores infernais, refletindo o clima referente ao que estava acontecendo e lembrando aos crentes da época a importância de não pecar.
Novamente, a arte nos permite fazer comparações entre os Diabos de épocas diferentes. Por exemplo, na Basílica de Sant'Apollinare Nuovo em Ravenna, na Itália, há um mosaico do século VI que mostra o Juízo Final e mostra Satanás como um anjo azul etéreo. Obviamente, essa imagem até sensível e bonita do Diabo foi deixada de lado nos séculos posteriores.
O Anjo Caído. (Fonte: National Debat/Reprodução)
Ainda no início da Idade Média, Satanás tinha uma aparência e um papel mais parecidos com os descritos no Antigo Testamento, um adversário de Deus, mas não um inimigo em constante atividade.
Mas, como observamos, as desgraças, as guerras e a peste da Idade Média fizeram Satanás evoluir durante esse período para uma entidade cujo foco principal era atormentar a maior quantidade possível de almas humanas. E é claro que não dá para fazer isso com um semblante bonzinho.
No decorrer dos séculos, associar o Diabo a qualquer coisa, pessoa ou grupo considerado inimigo do cristianismo, dentro ou fora da Igreja, se tornou uma tradição persistente.
Com a Reforma Protestante no século XVI, católicos e protestantes começaram a se acusar mutuamente de serem seguidores do Diabo. Nessa época, era comum o uso de imagens grotescas e lúdicas para mostrar o quanto o outro lado estava ligado ao demônio.
(Fonte: National Debat/Reprodução)
Atualmente, Satanás é sofisticado e, por vezes, tem até a função de entreter a plateia ocupando o centro do palco. Mais uma vez, sem abandonar a tradição de ser relacionado aos inimigos dessa ou daquela crença. Em alguns casos, até surge como tendo preferência por certas ideologias políticas.
A representação de Lúcifer na série da Netflix. (Fonte: Netflix/Reprodução)
Talvez, no final das contas, mais que uma criatura ou símbolo do mal, Satanás seja a maior e mais eficiente ferramenta de marketing já descoberta. Afinal, não importa a época, sempre é possível usá-lo para algum fim.