Ciência
07/04/2022 às 02:00•2 min de leitura
Em meados do século XIX, em 1876, J. Willis Westlake, professor de Literatura Inglesa na State Normal School, em Milersville (Pensilvânia, EUA), redigiu o livro Como Escrever Cartas, um manual de correspondência mostrando a estrutura correta, composição, pontuação, formalidades e uso da escrita para cartas, bilhetes e cartões.
O livro ensinava tudo, desde a escrita até como dobrar uma carta e o que acompanhá-la. Isso foi muito útil principalmente aos amantes, visto que o hábito de trocar cartas se tornou uma das mais famosas convenções sociais de todos os tempos até que fosse extinta pela era tecnológica.
A dificuldade em externar os sentimentos de amor possibilitou a adição de outros elementos, como flores, chocolates e outros tipos de presentes que ainda são usados. Enquanto algumas cartas carregaram marcas de batons e perfumes, outras foram alvos de respingos de sangue e borrões de lágrimas.
Em 1700, em meio à fúria e dor, Anna Maria Radclyffe não escreveu o que estava sentindo no pedaço de papel, mas sim costurou com cabelo humano em um lençol.
(Fonte: Slindon/Reprodução)
Anna Maria era a esposa de James Radclyffe, o terceiro conde de Derwentwater, do noroeste da Inglaterra, preso na Torre de Londres para aguardar sua decapitação por seu envolvimento durante a rebelião jacobita na Batalha de Preston. Ele e outros rebeldes tentaram colocar o filho de um católico deposto pelo rei de volta ao trono, mas falharam miseravelmente.
Houve esforços para tentar garantir o perdão a Radclyffe, porém sem sucesso. O destino do jovem de 26 anos já estava selado e durante todo o tempo em que ficou confinado, ele recebeu visitas de Anna Maria e também enviou várias cartas de amor carregadas de melancolia.
Em 24 de fevereiro de 1716, Radclyffe foi decapitado por traição e como um macabro gesto de lembrança, sua amante bordou no lençol que resgatou da torre as palavras: “The sheet off my dear, dear Lord’s Bed in the wretched Tower of London", algo como "O lençol da cama do meu querido lorde na miserável Torre de Londres".
(Fonte: BBC/Reprodução)
Exibida no Museu de Londres, a carta bordada de 300 anos, feita por Anna Maria e marcada por uma história de romance, tragédia e insurreição, se tornou um artefato histórico.
“O interessante é que não parece que o lençol foi usado por muito tempo, portanto é provável que tenha sido utilizado apenas nos quatro meses em que Radclyffe esteve na torre, aguardando execução”, disse Beverly Cook, curadora de história social do Museu de Londres, em matéria ao The Guardian.
É provável que tenha sido sob o mesmo lençol que o casal de amantes concebeu a primeira filha, por isso se tornou um objeto tão precioso para a viúva. A mensagem teria sido bordada por Anna Maria depois que ela fugiu para Bruxelas para criar seus filhos como católicos. Acredita-se que ela tenha morrido de varíola em meados de 1723.
(Fonte: National Portrait Gallery/Reprodução)
O lençol passou como uma herança, principalmente por ter sido escrito com cabelo humano, em vez de fio de linho, ainda que a fonte permaneça um mistério. Existe uma possibilidade de ter sido o cabelo resgatado da cabeça de Radclyffe para a confecção da carta, isso porque, como Cook observou, o coração dele foi dado a um convento agostiniano em Paris, mas seu corpo, com a cabeça costurada, foi devolvido à sua esposa.
“Então isso teria dado a ela a oportunidade de remover um pouco do cabelo dele”, disse Cook.
O que também endossa a possibilidade é que a mulher ficou conhecida por carregar até à morte um medalhão contendo fios de cabelo de seu amado. Mas Cook não dispensa que o lençol possa ter sido costurado com o cabelo de ambos.
Tudo foi entregue ao museu em 1934.