Ciência
07/11/2022 às 12:00•3 min de leitura
O massacre ocorrido na Casa de Detenção de São Paulo, conhecido como Carandiru, permeia nossa mente. Contudo, uma das primeiras e principais crises do sistema prisional paulista ocorreu 40 anos antes. Batizada de Rebelião na Ilha Anchieta, o motim de detentos, que envolveu uma fuga cinematográfica, foi uma das mais sangrentas revoltas carcerárias do país.
Na manhã de uma sexta-feira, 20 de junho de 1952, presos assumiram o controle do Instituto Correcional da Ilha Anchieta, no litoral norte paulista. A tentativa de repressão ao movimento deixou 25 mortos, sendo 15 detentos e outros 10 funcionários do sistema prisional, entre civis e militares.
(Fonte: Arquivo Público do Estado de São Paulo/Reprodução)
Projetado pelo arquiteto Francisco de Paula Ramos de Azevedo, a construção foi inaugurada em 1908 como Colônia Correcional da Ilha dos Porcos. Para lá, eram direcionados, inicialmente, presos comuns e menores infratores. O espaço foi desocupado em 1914, tornando a funcionar como prisão apenas em 1928, mas, desta vez, com o intuito de abrigar presos políticos.
Já com o nome de Ilha Anchieta, passou a receber especialmente comunistas, anarquistas e socialistas presos por exercer atividades políticas e sindicais. Foi durante a ditadura do Estado Novo (1937 - 1945) que seu caráter de presídio político ganhou contornos acentuados. Militantes de esquerda, processados com base na Lei de Segurança Nacional, eram submetidos a trabalhos forçados.
Ainda durante a Era Vargas, a colônia foi rebatizada como Instituto Correcional da Ilha Anchieta. Foi uma mudança bastante significativa, pois o espaço passou a abrigar somente presos comuns até sua extinção, em 1955. E seu fim tem ligação direta com a rebelião.
(Fonte: Biblioteca Nacional/Reprodução)
Muitos dos problemas relacionados com as crises penitenciárias brasileiras possuem ligação direta com a Rebelião na Ilha Anchieta, ocorrida 70 anos atrás. À época do motim, 452 detentos ocupavam as alas do presídio, o maior número desde sua fundação. Eram oito pavilhões, sendo quatro ocupados por detentos, enquanto os demais eram utilizados para funções administrativas.
Segundo o inquérito militar, dois homens arquitetaram o plano de fuga: Álvaro Fernando da Conceição Carvalho Farto, o Portuga, e João Pereira Lima. Ao todo, o planejamento da ação teria durado 6 meses, a partir da chegada de Portuga, vindo do Carandiru. Na manhã de 20 de junho de 1952, João desarmou um dos soltados que escoltava o transporte de lenha, feita por um grupo de detentos.
Outros presos, percebendo o que acontecia, começaram a agir, espalhando o motim. Utilizando pedaços de madeira, eles renderam guardas, abriram as celas e soltaram os presos, que se espalharam pela Ilha. Os parentes dos militares, que residiam na vila militar da Ilha Anchieta, foram conduzidos para dentro das celas.
Vários presos seguiram em embarcações, rumando em direção à cidade de Ubatuba. No desembarque, um confronto se desenrolou contra as forças de segurança. No total, 129 detentos haviam fugido, sendo que 108 deles foram recapturados. Outros 15 morreram em combate ou em decorrência dele, incluindo Portuga, enquanto 6 foram dados como desaparecidos. Do lado das forças de segurança, 10 agentes morreram.
(Fonte: Aline Rezende/Fundação Florestal/Reprodução)
A repercussão do motim no presídio foi péssima para as forças de segurança, mais pelo fato da fuga dos "mais perigosos elementos do crime e da delinquência de São Paulo", como estampavam os jornais da época, do que pela morte de detentos. Aos poucos, os presidiários foram sendo transferidos para outras cadeias do estado, até que, em setembro de 1955, a penitenciária teve suas atividades encerradas.
Na semana seguinte, o filme Mãos Sangrentas, do argentino Carlos Hugo Christensen, estrearia nos cinemas, contando com livre inspiração o ocorrido na Ilha Anchieta. Representante brasileiro no Festival de Veneza, fez com que a mídia internacional desse bastante repercussão ao fato.
Hoje, o espaço onde a Rebelião na Ilha Anchieta se deu é um parque estadual. O Parque Estadual da Ilha Anchieta, considerada uma área de proteção ambiental, é administrada pelo Instituto Florestal. É curioso que uma área com tanta riqueza histórica e natural tenha sido um espaço de tortura e morte décadas antes.