De onde veio o estereótipo da madrasta malvada?

13/11/2022 às 10:004 min de leitura

Eurípedes, poeta trágico grego do século V a.C., costumava dizer que “melhor uma serpente que uma madrasta!”. Mas você já parou para pensar porque a antagonista dos contos de fadas e de vários folclores sempre é a figura da "mãe postiça"?

Sem dúvidas, as histórias infantis deram notoriedade à personagem da madrasta malvada como uma das vilãs mais marcantes e horrendas dos contos. Frequentemente, ela surge como um contraponto à inocente e virtuosa enteada, a quem ela maltrata e explora indiscriminadamente.

Há várias explicações para a origem da ideia de que a madrasta é ou precisa ser uma entidade do mal. Algumas delas envolvem disputas por poder e ciúmes, enquanto outras, o instinto humano.

Jogo de poder

Lívia Drusilla. (Fonte: Wikimedia Commons)Lívia Drusilla. (Fonte: Wikimedia Commons)

Uma das possíveis origens para a figura da madrasta malvada vem da Roma Antiga e da icônica Lívia Drusilla (59 a.C. – 29 d.C.), a primeira imperatriz e segunda esposa do imperador romano César Augusto.

Conforme explica Augusto Fraschetti, historiador italiano, Lívia já tinha um filho, de nome Tibério, de outro relacionamento, quando se casou com Augusto. Por sua vez, o imperador casou sua filha, também de um casamento anterior, e teve dois netos: Caio César e Lúcio César. 

Um deles deveria sucedê-lo como imperador, contudo, a morte de ambos impediu que isso acontecesse. Caio morreu em 21 de fevereiro de 4 d.C., aos 23 anos. Já Júlio, em 20 de agosto de 2 d.C., com apenas 18 anos.

Não demorou muito para que rumores e fofocas sobre disputas de poder começassem a circular no império. O assunto voltaria a dominar a mente dos romanos quando, anos mais tarde, Agripa Póstumo, outro neto de César e potencial herdeiro do trono, foi expulso do reino e morto.

Tibério, predecessor de Augusto. (Fonte: Wikimedia Commons)Tibério, predecessor de Augusto. (Fonte: Wikimedia Commons)

Foi então que Tibério se tornou imperador no lugar dos herdeiros originais. Claro que muitos romanos acharam toda a sequência de eventos que levaram o filho de Drusilla ao poder um tanto suspeita.

Com Tibério imperador, Lívia passou a exercer uma importante influência política no império. Se ela teve um dedo na morte dos herdeiros diretos de Augusto, é difícil provar. Mas se foi maquiavélica a esse ponto, tal característica era “genética”. Ela foi bisavó do Imperador Calígula, aquele mesmo que nomeou seu cavalo como senador e tinha a fama de pervertido, avó do imperador Cláudio e tataravó de Nero, imperador responsável por tocar fogo em Roma e admirar a cidade sendo consumida pelas chamas.

A popularização da madrasta malvada pelos Irmãos Grimm

(Fonte: Aline Dassel/Pixabay)(Fonte: Aline Dassel/Pixabay)

Analisando atentamente os motivos pelos quais a madrasta foi escolhida como a melhor antagonista para os contos de fadas de Jacob e Wilhelm, os famosos Irmãos Grimm, vamos encontrar alguns aspectos interessantes.

Ns diversas mudanças editoriais feitas pelos irmãos ao longo das várias edições de suas histórias, fica evidente que a madrasta nem sempre foi uma pessoa ruim. Mas isso não significa que os Irmãos Grimm não contribuíram, ou até inventaram, a madrasta como antagonista malvada para os contos de fadas.

Críticos e estudiosos de literatura dão várias explicações para justificar a mudança deliberada feita pelos irmãos escritores. Uma das mais interessantes é a abordagem psicanalítica, visto que dentro de um conto de fadas a clara divisão entre uma mãe boa, geralmente morta, e uma madrasta malvada como sua substituta, é muito útil para explicar alguns comportamentos e sentimentos sentidos por uma criança.

(Fonte: Freepik)(Fonte: Freepik)

Por exemplo, uma madrasta ruim serve muito bem na fantasia para preservar a imagem da mãe morta intacta e até santificada em alguns casos. Além disso, também ajuda a criar uma justificativa para que a criança não se sinta culpada por ter raiva ou desejos de ira contra aquela que apareceu para substituir sua amada mãe.

Obviamente, é bastante improvável que os Irmãos Grimm tivessem partido de uma lógica freudiana para realizar as transformações na figura da madrasta. Por outro lado, há quem argumente que eles apenas pensaram na vilania. Isto é, não queriam assustar e perturbar as crianças pequenas criando histórias cujos assassinos e personagens aterrorizantes fossem seus próprios pais.

Instinto, biologia e história 

(Fonte: Karina Lav/ Pexels)(Fonte: Karina Lav/ Pexels)

A origem da madrasta malvada também pode ter surgido a partir de algo bem mais básico para os humanos: o instinto biológico. E isso parece fazer sentido para algumas pessoas. Aliás, esse aspecto até ajudaria a explicar o porquê da existência dessa antagonista ser tão antiga nas histórias.

Mesmo considerando que somos muito diferentes de uma mamãe do reino animal, é possível que o nosso instinto biológico seja muito parecido lá no fundo: rejeitar, negligenciar e até maltratar um filho de outra progenitora. 

Mas, ao contrário do reino animal, conseguimos racionalizar e pensar sobre isso, logo, a madrasta pode desconsiderar esses aspectos e criar a criança como se fosse sua, dedicando-lhe todo amor e carinho.

Os antigos romanos supunham a personificação da madrasta como uma mulher má algo natural, decorrente de um novo casamento. Aqui pode-se considerar vários pontos diferentes, por exemplo, a perda ou luto. Ou seja, um ente querido (a mãe) é removido para abrir espaço para outra pessoa (a madrasta) pisar em seu lugar e usufruir das coisas com os mesmos direitos.

Alguns registros romanos sugerem que essa história tenha como base o ciúme, afinal, basta observar a trajetória de Lívia e Tibério até ao poder.

(Fonte: RODNAE Productions/Pexels)(Fonte: RODNAE Productions/Pexels)

Já outros relatos sugerem que ao perder a mulher, o homem se casaria com outra mais jovem. Devido a esse fato, ela seria mais próxima, em termos de idade, dos enteados do que do marido. E basta uma olhada nos tempos antigos para perceber que não era incomum que a madrasta tivesse sentimentos amorosos por seu enteado.

Então, quando ele rejeitava suas investidas, a jovem madrasta ficava cada vez mais indignada e amarga, levando, assim, às suas más tendências e seu comportamento de vilã. Seja devido à Lívia Drusilla, aos Irmãos Grimm ou ao instinto materno, a figura da madrasta como vilã definitiva persiste dos antigos contos de fadas até as produções cinematográficas de hoje.

Por outro lado, a madrasta também se tornou um bode expiatório, ganhando a fama de má por outras razões. Aqui, sua figura aterrorizante teria como base o comportamento da mulher de contrariar todas as expectativas e obrigações da maternidade socialmente estabelecidas. Ou seja, ela se torna má não por ser ruim, mas por desafiar o status quo que diz que toda mulher deve se casar e ser mãe.

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