Saúde/bem-estar
11/11/2022 às 08:00•3 min de leitura
Às portas da Copa do Mundo do Qatar e do título de hexacampeão que pode cair no colo da Seleção Brasileira depois de 20 anos, ouvir que não somos o país do futebol pode ser, no mínimo, estranho – ou revoltante. Sobretudo pelo Brasil ser o maior exportador de jogadores de futebol no mundo, com 1.219 deles atuando fora de casa, conforme a pesquisa feita pelo Centro Internacional de Estudos do Esporte, e também porque nossa seleção é a que mais ganhou Copas até então.
A ideia de que o Brasil não é o país do futebol saiu da boca do jornalista esportivo brasileiro Juca Kfouri em uma matéria de 7 de junho de 2010 para a publicação Le Monde Diplomatique. Naquela questão, ele citou uma pesquisa do DataFolha que mostrava serem mais numerosas que a torcida do Flamengo as pessoas que diziam não ter time do coração, enquanto na Argentina apenas 7% dos entrevistados alegaram não ter clube preferido.
Além disso, ele criticou que o brasileiro não prestigia os jogos periféricos dos campeonatos, apenas os gigantes, e mal faz isso durante a Copa. Muito diferente do que acontece na Europa, onde o esporte é a estrela, e nos Estados Unidos, apesar de ser considerado um país onde o futebol é o mais fraco.
(Fonte: Tudo Esporte/Reprodução)
Apesar de ser de origem britânica, o futebol foi absorvido pela cultura brasileira de maneira tão profunda a ponto de se tornar parte da nation branding do país, ao lado do carnaval, do suposto instinto hospitaleiro, da dança, das praias e da música – ofuscando totalmente o Reino Unido.
O esporte chegou em meados de 1894 por meio de Charles Miller, considerado o "pai do futebol brasileiro", vindo da Europa com algumas bolas e uma cartilha de regras sobre o novo esporte. A modalidade se espalhou entre a elite branca, afinal, a "herança" da escravidão impedia que os negros praticassem qualquer tipo de esporte – essa introdução só aconteceria em 1920. E foi isso que o popularizou, principalmente como escapismo em planos de fundo vulneráveis da realidade do brasileiro, por se tratar de um esporte cujos meios de prática são acessíveis para todas as camadas sociais.
(Fonte: Open Edition Journals/Reprodução)
Não se sabe ao certo quando a alcunha "país do futebol" foi dada ao Brasil, muito embora há quem especule que isso tenha acontecido após a edição de 1970 da Copa do Mundo, quando levantamos a taça do tricampeonato. Naquela época, o futebol jogado aqui já havia ganhado destaque internacional devido aos dribles e técnicas únicas desempenhadas pelos jogadores, gerando maior rivalidade entre as seleções, principalmente dos países na América Latina – a longa rixa com a Argentina.
Para além das características técnicas, o futebol se tornou um arauto para aqueles em situação de periferia, onde os verdadeiros astros que os jogadores se tornaram, em sua maioria saindo de cenários pobres do país, significavam uma chance para o sonho de vencer na vida, quando todos os privilégios não estavam a favor.
O esporte também foi uma ferramenta para amenizar tensões, aliviar polarização política e econômicas; estreitando as fronteiras sociais imensas, não só aqui no Brasil como no mundo, ao promover a conexão em prol de um ideal.
(Fonte: Torcedores/Reprodução)
Mas a polêmica ideia de Kfouri ao Diplomatique não é única. Ela já foi dita pelos dedos do também jornalista esportivo Mauro Cezar Pereira, em artigo à ESPN, em que refletiu sobre o motivo pelo qual o futebol brasileiro não repercute lá fora para além do desempenho de seus jogadores.
Ao argumentar que os europeus, com sua Liga dos Campeões, o torneio máximo do futebol, movimentam torcidas e toneladas de dinheiro com suas competições, repercutindo pelo planeta, o jornalista sustenta a fala de Kfouri de que o brasileiro só lembra do futebol durante a Copa – e olhe lá.
“O Corinthians tem torcida, tradição, títulos, patrocinador, um estádio, mídia e um bom time de futebol. Como foi possível um clube de tal calibre ser praticamente ignorado por muitos torcedores e jornalistas europeus até a vitória na final?”, questionou Pereira sobre Copa do Mundo de Clubes da FIFA de 2012, no qual o time foi campeão.
O jornalista, então, enfatizou que o futebol jogado no Brasil praticamente não é visto lá fora e que isso precisa ser encarado pelos brasileiros, do alto escalão a arquibancada, para que seja possível encontrar os problemas e pensar em soluções.
(Fonte: Irish Examiner/Reprodução)
Marcel Capretz, jornalista e radialista, disse que o que fazemos hoje em termos de futebol, dentro e fora do campo, não pode ser considerado o de maior excelência do planeta, e que há muitos países fazendo do esporte e tudo o que o cerca com mais qualidade do que nós.
“Nossos técnicos não passam por nenhuma formação mínima para exercer a função. Nossos dirigentes são tão amadores que muitos que estão em times profissionais em nada diferem dos que estão na várzea”, escreveu Capretz para a Universidade do Futebol. “Nosso calendário é uma piada de mau gosto para 80% dos jogadores do país. Diante desse cenário, não é estranho não ganhar uma Copa. Estranho foi ter vencido cinco”.