Ciência
31/10/2023 às 14:00•3 min de leitura
Em 2022, a Anistia Internacional registrou pelo menos 2.016 sentenças de morte entre 52 países. Entre elas, ocorreram 883 execuções em 20 países, um aumento de 53% em relação a 2021, marcando o maior pico desde 2017. Essa porcentagem, no entanto, não inclui os dados de países onde a execução é considerado segredo de Estado, como China, Coreia do Norte, Vietnã, Síria e Afeganistão.
A pena de morte continua sendo um tópico muito debatido, sobretudo no Brasil, onde as opiniões são muito pautadas nos índices de criminalidade do país, na fraca aplicação da lei, nas sentenças consideradas brandas e nos meandros do sistema que parece poupar aqueles que merecem ser punidos de acordo.
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Em setembro de 2022, um levantamento feito pelo Ipec/TV Globo revelou que 42% dos entrevistados disseram ser a favor de pena de morte como punição para criminosos, enquanto 49% se posicionaram contrários à medida. A porcentagem diminuiu desde 2018, quando uma pesquisa do Instituto Datafolha divulgou que 57% dos brasileiros eram a favor desse tipo de punição. Por sua vez, esse estudo havia demonstrado um aumento chocante com relação ao levantamento anterior, feito em 2008, e que mostrou um percentual de 48%.
O Brasil possui uma relação complicada com a medida, proibida desde a Proclamação da República, em 1889, um pouco depois do que é considerado um dos maiores erros judiciais do Brasil envolvendo a pena de morte, o caso da Fera de Macabu.
(Fonte: Pinterest/Reprodução)
Na época do Brasil Império, os Campos dos Goytacazes, atualmente um município do estado do Rio de Janeiro, eram uma das regiões mais economicamente prósperas e relevantes da capital do império devido à produção de açúcar e café, além de desempenhar um papel político importante na vida do país.
Apenas pessoas relevantes e ricas moravam na região, como era o caso de Manuel da Mota Coqueiro, um influente dono de terras casado com Úrsula das Virgens, que era proprietária de cinco fazendas onde atualmente é o município de Macaé.
Manuel sempre esteve muito longe de ser ingênuo — não é para menos que fez vários inimigos ao longo de sua vida devido às suas atitudes, a começar pelo seu primo Julião Batista Coqueiro, que o detestava por ter se casado, durante a juventude, com sua então noiva enquanto ele estudava em uma cidade longe de Macaé.
Mas Manuel não parou por aí, em 1852 ele conseguiu ser mais sórdido ao se envolver, mesmo já casado com Úrsula, com a jovem Francisca, filha mais velha de Francisco Benedito da Silva, cuja família havia sido acolhida nas terras de Manuel em troca de mão de obra.
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Só que ele não imaginava que o caso extraconjugal lhe renderia tantos problemas com a quantidade de exigências que Francisco começou a fazer ao descobrir tudo. Quando a situação atingiu o seu limite, Manuel decidiu expulsar de sua propriedade toda a família do homem, inclusive a filha. Ele achou que, dessa forma, não só se livraria deles como também conseguiria preservar sua relação com Úrsula.
A família de Francisco conseguiu se alojar em uma casa a cerca de dois quilômetros das terras de Manuel, mas não por muito tempo. Em uma noite chuvosa de 12 de setembro de 1852, Francisco e a família foram brutalmente assassinados a golpes de fação. Ironicamente ou não, a única que conseguiu escapar da chacina foi sua filha. Descalça, coberta em sangue e com as roupas rasgadas, a jovem vagou por dois dias pela mata até encontrar um fazendeiro disposto a ajudar.
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A Chacina da Fazenda Conceição de Macabu, como podemos chamar o episódio, se tornou um circo no momento em que as autoridades ouviram a sobrevivente. Foi criada uma rede de acusações que, em sua maioria, estava mais baseada em achismos do que fatos.
Julião, irmão de Manuel, foi o primeiro a apontá-lo como responsável pelo crime. As investigações chegaram a diversos escravos e trabalhadores livres das terras de Manuel, como Florentino da Silva e Faustino Pereira, mas o Código de Processo Criminal de 1832, revisado em 1841, deixava claro que um escravo não poderia testemunhar contra seu senhor, portanto, muitas testemunhas foram desconsideradas.
O problema é que muitas pessoas que testemunharam contra o acusado já tinham tido desavenças pessoais com ele. Portanto, suas falas estavam contaminadas por rancor e influenciadas por boatos. Para piorar, os empresários que negociavam com Manuel no dia do crime não foram contatados para prestar depoimento.
Manuel da Mota Coqueiro. (Fonte: Wikipedia/Reprodução)
Quando é dito que a investigação foi conduzida de maneira duvidosa, é porque as autoridades não foram atrás de suspeitos em potencial, como Úrsula, que poderia ter mandado executar a família ao descobrir sobre a amante do marido, pensando em incriminá-lo como punição. Ou até mesmo que Herculano, namorado da moça, pudesse ter procurado vingança por ser preterido pela família dela. Sem falar em Julião, que possuía um longo histórico de desavenças com o irmão.
Nada disso foi considerado, mas Manuel foi culpado por ter "fugido" após o crime, sendo que estava fora da cidade em uma viagem de trabalho quando tudo aconteceu.
Como resultado, em 6 de março de 1855, em meio a uma comoção de populares, Manuel da Mota Coqueiro, localmente conhecido como “Fera de Macabu”, foi enforcado provavelmente de maneira injusta na Praça da Luz, onde hoje se encontra a Escola Estadual Luiz Reid, no Centro do Rio de Janeiro.