Ciência
16/10/2024 às 04:00•3 min de leituraAtualizado em 16/10/2024 às 04:00
Um enigma arqueológico no coração de Madagascar está mexendo com a cabeça de especialistas: o misterioso sítio de Teniky, localizado no Parque Nacional de Isalo, pode ter sido construído por uma comunidade com raízes zoroastrianas, uma antiga religião persa. As estruturas, esculpidas na rocha, se destacam pela sua arquitetura singular e diferente de tudo o que se conhece na região.
As escavações mais recentes, conduzidas pelo professor Guido Schreurs e sua equipe, revelaram características que remetem diretamente a práticas funerárias do zoroastrismo, o que levanta a intrigante hipótese de que essas pessoas chegaram à ilha por meio de redes de comércio no Oceano Índico.
A descoberta de Teniky não é recente. Por mais de 100 anos, naturalistas e arqueólogos sabiam da existência desse local, mas a sua localização remota dificultou pesquisas aprofundadas. A área é acessível apenas após uma longa caminhada — cerca de 20km — por terrenos acidentados, e as escavações dependem de colaborações internacionais e autorizações governamentais.
No entanto, em 2019, a situação começou a mudar. Imagens de satélite de alta resolução revelaram que o local é muito maior do que se pensava anteriormente. Terraços artificiais, câmaras esculpidas, nichos circulares e retangulares e grandes bacias de pedra são apenas algumas das estruturas que vieram à tona com as novas investigações.
Um dos aspectos mais intrigantes de Teniky é que a sua arquitetura tem semelhanças impressionantes com nichos escavados na rocha encontrados no Irã, datados do primeiro milênio. Em particular, esses nichos podem ter servido como ossários para rituais zoroastrianos, onde os mortos não eram enterrados imediatamente.
Em vez disso, os corpos eram expostos ao ar livre em nichos conhecidos como “dakhmas” (também chamados Torres do Silêncio) até que restassem apenas os ossos, que depois eram recolhidos e guardados em pequenos compartimentos.
Apesar da semelhança entre os nichos iranianos e os de Teniky, ainda não foram encontrados ossos no local, o que mantém a hipótese sob debate. Os arqueólogos sugerem que os restos mortais podem ter sido removidos ao longo do tempo pelas comunidades que sucederam os construtores originais.
Outro dado interessante é a evidência de que os habitantes de Teniky tinham conexões comerciais com lugares distantes, como o Sudeste Asiático e a China, algo revelado pela cerâmica encontrada no local. Isso indica que as pessoas que construíram Teniky faziam parte de redes de comércio marítimo que atravessavam o Oceano Índico.
Essa possibilidade, inclusive, vai contra o pensamento que se tinha até então de que foram os portugueses os responsáveis por criar esse ambiente. Isso porque os portugueses só chegaram na região no século 15, porém a ocupação da área se deu entre os séculos 10 e 12.
Todo esse panorama sugere que essa população que habitava onde hoje é o sítio de Teniky, apesar de estar isolada no interior de Madagascar, mantinha vínculos com culturas e práticas de lugares distantes.
Ainda que a hipótese zoroastriana seja fascinante, não há consenso entre os especialistas. Alguns sugerem que as práticas e crenças dessas pessoas podem ter evoluído e se adaptado ao longo do tempo em Madagascar, criando uma cultura híbrida.
De qualquer maneira, o mistério permanece: quem eram essas pessoas, por que elas se estabeleceram em um local tão remoto e o que aconteceu com elas? Foram dizimadas, não resistiram ou simplesmente foram embora? Essas perguntas, pelo menos por enquanto, irão continuar.
É por isso que o trabalho arqueológico em Teniky está longe de acabar. Em 2025, Schreurs e sua equipe planejam retornar ao local para novas escavações, incluindo o uso de tecnologia LiDAR para detectar mais estruturas escondidas.
Quem sabe, as próximas escavações possam trazer novas pistas que ajudem a desvendar esse mistério milenar e confirmar ou refutar a hipótese zoroastriana. Por enquanto, Teniky continua a ser uma janela para o passado distante de Madagascar, envolto em mistério e especulação.