Ciência
30/06/2014 às 09:02•4 min de leitura
Qual a pior profissão que você consegue imaginar? Se você não curte muito o calor, provavelmente não seria um bom soldador ou padeiro. Caso trabalhasse na área da saúde, não seria nada legal ter que servir de flebotomista viajante, ordenhador de cobras ou cobaia humana. Pois, se tudo isso parece ruim, saiba que existem coisas piores.
Mesmo que seu chefe seja chato, suas metas desumanas e o salário não compense, ainda assim é – um pouco – melhor do que ser um caçador de esgotos. Mas não estamos falando de qualquer bueiro, mas sim daqueles presentes na Era Vitoriana em Londres. Ou seja, um local povoado por diversas pestes, ratos e uma série de doenças infecciosas que nem sequer tinham cura na época.
A profissão exigia que os funcionários passassem grande parte do tempo explorando os esgotos de Londres em busca de bens perdidos. Algo ainda mais chocante é saber que a prática ainda continua sendo realizada em alguns países, incluindo Bangladesh.
Imagine que você está em 1840, ou seja, no auge da Era Vitoriana em Londres. Agora, você sente o odor pútrido de dejetos humanos abaixo de seus pés enquanto você se esgueira pelos esgotos claustrofóbicos em forma de labirinto. Não esqueça também que as coisas pioraram em 1858 com a chegada do Grande Fedor, no qual um mau cheiro insuportável tomou conta da cidade devido à poluição do rio Tâmisa.
Conseguiu? Portanto, agora você tem uma pequena noção de como era ser um caçador de esgotos. Mas quem teria coragem para enfrentar essa rotina todos os dias? Naquela época, muita gente. Diversos homens conseguiram uma vida até que “estável” se aventurando pelos esgotos de Londres e tentando encontrar algumas moedas e joias de menor valor que desciam pelos bueiros.
Os caçadores de esgoto, também conhecidos como “toshers”, passavam o dia procurando objetos de valor que podiam ter parado debaixo da cidade. Em suas aventuras, eles buscavam todos os tipos de materiais, desde prataria até algumas moedas que acabavam caindo pelas valetas. Em geral, os homens faziam buscas em grupos de três a quatro pessoas.
A exploração era liderada por um veterano mais velho, com idade entre 60 e 80 anos. Os mais experientes sabiam exatamente onde ficavam os melhores locais para conseguir apanhar alguns trocados, sendo que muitas vezes os homens tinham que enfiar os braços na sujeira até os cotovelos para conseguir encontrar alguma coisa.
Mas não pense que ser um veterano era uma tarefa fácil, pois, para conseguir essa façanha, era preciso conhecer centenas de quilômetros entre túneis, fissuras e cantos escorregadios. Inclusive, alguns dos locais mediam menos que 1,2 metro – ou seja, esse também não era um trabalho fácil para quem era claustrofóbico.
Ainda que a vida nos esgotos tenha sido lucrativa para alguns caçadores mais experientes, é bom lembrar que ela também era extremamente perigosa. Havia, por exemplo, comportas que geravam marés baixas e que acarretavam em ondas que podiam atingir ou até mesmo afogar os mais desavisados.
Além disso, os toshers mais corajosos, que tentavam a sorte se aventurando em locais mais profundos, podiam acabar se perdendo por lá e acabavam morrendo afogados imersos em detritos e fezes. Como se não fosse o bastante, havia também o problema dos ratos e dos gases explosivos de sulfeto de hidrogênio.
Duas vezes ao dia, as comportas eram abertas para deixar que a água fluísse pelos túneis. Com isso, alguns desafortunados acabavam se afogando nos esgotos. Quem sobrevivia ainda tinha que ficar esperto com as possíveis mordidas dos roedores. Uma única mordida podia resultar em uma morte mais terrível do que afogamento por dejetos humanos.
Com tanta doença, ratos, vegetais podres, carcaças de animais, fezes e infinitas outras coisas que podem ser encontradas em um esgoto, por que os homens se arriscavam em explorar o local? Estranhamente, o serviço de caçador de esgotos até que rendia bem.
Por dia, um explorador conseguia ganhar até 6 xelins (moeda adotada na Grã-Bretanha da época e em algumas de suas colônias). Na Era Vitoriana, esse era um valor que compensava todos os banhos com ratos, cheiros desagradáveis e o constante medo de possíveis afogamentos.
Uma lenda foi perpetuada pela família do tosher Jerry Sweetly, que morreu em 1890, e publicada mais de um século depois. Segundo a história, o homem encontrou a Rainha dos Ratos em um pub. Eles beberam até a meia-noite, dançaram e então “a garota o levou para uma casa abandonada para fazer amor.”
Ao levar uma mordida forte no pescoço (a rainha costumava fazer isso com seus amantes, para que assim nenhum outro rato pudesse machucá-los), Sweetly atacou a garota. Ela sumiu e reapareceu com uma gigantesca ratazana. Então ela disse: “Você terá sua sorte, tosher, mas ainda não me pagou por ela!”
Ofendida, a rainha dos ratos lançou uma maldição que atingiu toda a família do tosher. Sua primeira esposa morreu ao dar à luz e a segunda faleceu no rio ao ser esmagada entre uma barca e o cais. Mas, conforme o prometido, todas as crianças de Sweetly foram sortudas. Entretanto, ao menos uma vez em cada geração da família, uma garota nascia com olhos de cores diferentes – um azul e outro cinza, representando as cores dos rios.
Em outras lendas, os toshers também acreditavam que os esgotos eram infestados por porcos selvagens que habitavam os esgotos abaixo de Hampstead, Londres, no lado mais ao norte da cidade. Essa é uma das narrativas percussoras dos supostos jacarés que habitam os esgotos dos contos de Nova York.
Se você pensa que os toshers se aposentaram definitivamente, está muito enganado. A cidade de Dhaka, em Bangladesh, possui um famoso bazar de ouro, no qual diversas ruas abrigam fábricas e lojas que vendem o material. Todos os dias, antes das lojas abrirem, os faxineiros varrem as lojas empurrando sujeira, entulhos e, ocasionalmente, algumas lascas de ouro para dentro dos esgotos.
Dessa forma, os caçadores armam-se com panelas e mergulham nos escombros em busca de algumas peças perdidas. Em um dia bom, um caçador de Dhaka consegue ganhar cerca de US$ 12 (aproximadamente R$ 26).