Ciência
18/06/2020 às 05:30•2 min de leitura
O estudo do DNA de um homem enterrado em Newgrange, tumba do Conjunto Arqueológico do Vale do Boyne, na Irlanda, revelou histórias sobre a existência de elites sociais na Idade da Pedra. A configuração hierárquica sugerida é uma das mais antigas descobertas pela humanidade e foi determinada pela constatação de que os pais do exemplar analisado eram parentes de primeiro grau, possivelmente irmão e irmã.
Elites irlandesas se estabeleceram no Período Neolítico, de 8.000 a.C. até 5.000 a.C., em que civilizações iniciaram a prática do cultivo de alimentos. Após a extração da sequência genética de 44 indivíduos encontrados em pesquisas antropológicas locais, cientistas se depararam com uniões incestuosas, que, sendo relativamente raras no intervalo de tempo em questão, alvos de tabu e normalmente ligadas a dinastias consideradas divinas por seus povos, corroboram a ideia de que havia um grande e poderoso clã na região.
Lara Cassidy, professora da Trinity College e líder do estudo, afirma que nunca viu algo parecido. “Todos herdamos duas cópias genômicas, uma de nossa mãe e outra de nosso pai. Neste indivíduo, ambas são extremamente similares, um sinal forte de consanguinidade próxima. De fato, nossa análise permite afirmar que os pais do exemplar eram parentes de primeiro grau.”
Interior de Newgrange, tumba do Conjunto Arqueológico do Vale do Boyne.
Casamentos entre irmãos e irmãs ocorriam entre faraós no Antigo Egito e reis divinos do Império Inca, na América do Sul – sendo que os pais de Tutancâmon, por exemplo, podem ter sido gêmeos. Nestas culturas, governantes se valiam de aspectos religiosos para legitimar seus poderes, representados por monumentos extravagantes – como o Newgrange.
Mais velho que as pirâmides de Gizé, o sítio antropológico no Vale do Boyne é famoso por seu alinhamento solar anual, momento em que a câmara interna se ilumina completamente, criando uma exibição única dos restos mortais do homem encontrado e dos adereços junto a ele. “O prestígio do enterro torna muito provável uma união socialmente aceita e reproduz uma hierarquia extrema, em que que apenas parceiros da mesmo família eram dignos de se juntarem”, explica o professor Dan Bradley, coautor da pesquisa.
Vista aérea do local em que está enterrado o exemplar da pesquisa.
A comunidade científica, claro, ficou impressionada com as novidades. Tom Booth, cientista do Francis Crick Institute, de Londres, celebra os resultados dos colegas: “É o cenário genético mais detalhado das pessoas que viveram na Grã-Bretanha e na Irlanda durante o Período Neolítico. Considerando quão distantes essas sociedades estão das nossas e como entendemos monarquias nos tempos atuais, aqueles que pensavam em um Game of Thrones Neolítico podem ter se desapontado”.
Indo além, a equipe descobriu uma rede de conexões familiares entre o homem de Newgrange e outros indivíduos em túmulos por todo o país. Entretanto, nos locais mais distantes, não foram encontrados laços genéticos semelhantes em enterros de menor prestígio.
Um pedaço da História.
Junto a tantas novidades, também foi constatado o caso mais antigo já encontrado de Síndrome de Down, algo raro em pesquisas arqueológicas – uma vez que pessoas com condições semelhantes sofreram processos de invisibilização social.
Entre tantas idas e vindas migratórias, dada a falta de ocorrência desses eventos familiares em períodos não anteriores ao revelado, Tom Booth cogita: “Os desenvolvimentos sociais que levam a fortes associações entre famílias e tumbas megalíticas podem ter sido específicos para as sociedades neolíticas posteriores na Irlanda”.
Por fim, Cassidy revela sua opinião sobre o assunto: “Esta é a metodologia mais extrema aplicada por elites: realizar casamentos entre parentes para manter o poder em um clã próprio”, complementando que, se incesto era tabu, quebrar regras fazia parte do jogo: “Assim, você provavelmente se tornaria ainda mais divino ao olhar alheio.”
Incesto e poder: estudo de DNA revela ‘Era dos Reis’ na Irlanda via TecMundo