Fordlândia: a utopia que virou distopia no meio da Amazônia

01/07/2020 às 03:003 min de leitura

No final dos anos 1920, começou a circular uma notícia que parecia boa demais para ser verdade: Henry Ford — o dono da fábrica de carros americana e o homem mais rico do mundo na época — estava construindo uma fábrica de borracha no meio da Amazônia. Junto a ela, uma cidade americana perfeita para 10 mil pessoas e que levaria seu nome: Fordlândia. 

Mas de onde ele tirou essa ideia? Bem, o primeiro fator é a borracha: a Ford precisava de muita borracha para fabricar seus carros, já que mais da metade de todos os automóveis do mundo, na época, saíam de suas linhas de produção. Como a borracha fabricada nas colônias britânicas estava ficando cada vez mais cara, afinal elas detinham o monopólio desse produto e colocavam o preço que queriam, Ford pensou em obter as próprias matérias-primas. O Brasil era o local ideal para isso, já que tinha sido o líder mundial em produção de borracha algumas décadas antes. 

Fordlândia, vista do Rio Tapajós (Fonte: BBC/Reprodução)Fordlândia vista do rio Tapajós. (Fonte: BBC/Reprodução)

O início de um sonho

Henry Ford, para os padrões da época, era considerado um visionário: ele pagava o dobro do salário mínimo aos seus funcionários e oferecia benefícios, como acesso à saúde e cultura. Por outro lado, infelizmente, ele era bastante retrógrado em outros aspectos sociais, demonstrando certos preconceitos, como racismo e antissemitismo.

Ele enxergava o Brasil — com sua sociedade ainda agrária e "menos desenvolvida" — como uma folha em branco, sobre a qual ele poderia escrever uma história, expandindo seus ideais de vida do meio-oeste americano para esse pedaço de terra inexplorado no meio da Floresta Amazônica

As casas de Fordlândia (Fonte: O Globo/Reprodução)As casas de Fordlândia (Fonte: O Globo/Reprodução)

O armazém principal (Fonte: Wikimedia Commons)O armazém principal. (Fonte: Wikimedia Commons)

Ainda em 1928, um pedaço de terra de 1 milhão de hectares, localizado às margens do Tapajós, cerca de 300 quilômetros de Santarém, receberia dois navios lotados de suprimentos para construir a Fordlândia. Eram equipamentos para extração de borracha, prédios pré-fabricados, geradores de energia, muita comida enlatada e congelada, para que os funcionários americanos não precisassem se adaptar à dieta tropical. 

Fordlândia era muito bem equipada: contava com escolas, lojas, restaurantes, piscina comunitária, casas para todos os funcionários e um hospital, que era considerado o mais avançado da região Norte, na época. 

Um dos destaques da Fordlândia era a Vila Americana: casinhas no estilo do meio-oeste americano, com direito até aos hidrantes vermelhos. Nelas, viviam os diretores. Além disso, havia um salão de entretenimento, onde eram sediados bailes, com música country americana e sem bebidas alcóolicas. Essas eram as regras de Ford. 

O moderno hospital de Fordlândia (Fonte: TheHenryFord.com/Reprodução)O moderno hospital de Fordlândia. (Fonte: TheHenryFord.com/Reprodução)

Trabalhadores em Fordlândia (TheHenryFord.com/Reprodução)Trabalhadores em Fordlândia. (TheHenryFord.com/Reprodução)

Deu tudo errado

Esse último ponto do "salão de entretenimento" ajuda a entender por que o sonho de Ford não deu certo. Ele quis impor um estilo de vida que até podia funcionar bem em Detroit, mas não tinha a menor chance de dar certo no Brasil. 

Os trabalhadores brasileiros não se adaptaram às sirenes que tocavam, pontualmente, às 9h e às 17h para marcar os turnos. Além disso, a linha de produção fordista exigia um ritmo de trabalho frenético, e os patrões americanos não eram exatamente os mais gentis para impor suas ordens.

Além disso, as casinhas americanas perfeitas não eram nem um pouco adaptadas ao calor — e aos insetos — da floresta tropical, fazendo com que muita gente contraísse doenças. Todos os brasileiros eram obrigados a seguir a mesma dieta americana, com hambúrguer e comida enlatada. Para fechar o "combo" do desastre, ninguém podia beber ou fazer uma festa mais à moda brasileira. 

O salão de dança da cidade (Fonte: TheHenryFord.com/Reprodução)O salão de dança da cidade. (Fonte: TheHenryFord.com/Reprodução)

Vista panorâmica da cidade (TheHenryFord.com/Reprodução)Vista panorâmica da cidade. (TheHenryFord.com/Reprodução)

Não demorou muito tempo para os trabalhadores se rebelarem: eles cortaram as linhas de telefone e botaram os gringos para correr. Em 1933, a Ford abriu outra fábrica de borracha no Pará, sem as mesmas exigências do modo de vida americano. 

Mais do que a rebelião dos brasileiros, havia outro grande problema no projeto: os gerentes contratados por Ford eram muito incompetentes para tocar o projeto. Para começo de conversa, eles plantaram árvores muito próximas, o que qualquer seringueiro brasileiro sabe que favorece o surgimento de pragas. Das 38 mil toneladas de borracha que a Ford precisava ao ano, Fordlândia nunca produziu mais que 750. 

O que aconteceu depois disso?

Em 1945, sem precisar mais da borracha brasileira, a Ford vendeu todas as suas terras para o governo brasileiro. Muitos trabalhadores continuaram vivendo em Fordlândia, trabalhando na lavoura. Até que o próprio governo desistiu do local e ele ficou conhecido, por muitos anos, como uma "cidade-fantasma". Porém, sempre teve gente morando em Fordlândia, mesmo que pouca. 

As fábricas abandonadas (Fundação Joaquim Nabuco/Reprodução)As fábricas abandonadas. (Fundação Joaquim Nabuco/Reprodução)

Nos anos 2000, algumas famílias começaram a ocupar as casinhas abandonadas e as terras para plantar. O território de Fordlândia pertence ao município de Aveiro (PA), mas a comunidade — que conta com cerca de 2 mil pessoas — vive quase por conta própria.

Além de toda a história contada aqui, a utopia de Henry Ford na Amazônia se tornou uma distopia literalmente: o escritor Aldous Huxley se inspirou nessa experiência e no fordismo em geral para criar o universo de sua obra-prima Admirável Mundo Novo

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