Estilo de vida
05/08/2020 às 15:00•3 min de leitura
Definitivamente, treinar gatos e cachorros não é a mesma coisa. Em seu livro Cat Sense, o biólogo inglês John Bradshaw explicou que, para entender a psicologia dos gatos, e assim poder treiná-los, não se deve ensiná-los a realizar truques, mas sim facilitar a sua relação para que eles se tornem animais mais felizes e, consequentemente, maleáveis. Por natureza, os gatos são animais que podem ficar estressados e ansiosos por conta de seus hábitos muito rigorosos, ou seja, grandes mudanças podem ser traumáticas para eles.
Fora de um círculo religioso, há milênios que os gatos são mantidos pela capacidade natural de manter baixa as populações de ratos, sendo criados muitas vezes sem nenhuma função doméstica — uma vez que, cientificamente, 85% deles acasalam com espécies selvagens. No fim das contas, a maneira como esses bichanos se relacionam com os seres humanos é movida mais por instintos do que por comportamentos aprendidos.
Apesar disso tudo, por serem pequenos, sorrateiros, de aparência fofinha e inofensiva, na década de 1960 isso significou que os gatos poderiam ser perfeitos para serem treinados e virarem espiões.
(Fonte: Tes/Reprodução)
A Direção de Ciência e Tecnologia da Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos (CIA) teve a ideia de treinar gatos para serem espiões a partir da Câmara de Condicionamento Operante criada pelo psicólogo behaviorista B. F Skinner, na década de 1930, enquanto fazia pós-graduação na Universidade de Harvard.
Também conhecido como "a caixa de Skinner", o aparelho de laboratório foi construído para estudar a psicologia operante de gatos, ratos e cães, bem como a modificação de comportamento deles. De acordo com o estudioso, o comportamento de um animal poderia ser previsto e modelado através de um reforço comportamental em um ambiente controlado.
Para o bem diplomático da época, até 5 de março de 1946 os Estados Unidos manteve uma relação de fachada com a União Soviética, enquanto disputavam uma corrida armamentista e tecnológica silenciosa para obter vantagens, por isso até os métodos mais absurdos de espionagem foram considerados.
Após cavarem um túnel sob Berlim para tentar acessar o cabo de comunicações da Embaixada soviética em 1954, os Estados Unidos decidiram formular o "Projeto Gato Acústico", que visava colocar escutas em animais treinados, carregando-as até as embaixadas durante a Guerra Fria.
De setembro a dezembro de 1967, a CIA analisou o potencial do programa também usando outros animais, porém os gatos foram os preferidos devido ao baixo custo em trabalhos laboratoriais em relação a cães.
(Fonte: NicaLeaks/Reprodução)
De acordo com um memorando de 21 julho de 1968 exposto pela justiça norte-americana, o treinamento aconteceu em uma versão modificada de condicionamento que oferecia a caixa de Skinner. Os animais seriam depositados em parques, peitoris de janelas ou latas de lixo e instruídos através de sua audição apurada a procurar o alvo, sendo guiados por diferentes sinais, como um tom contínuo ou intermitente para indicar curvas, linhas retas e os lados.
A cada resposta certa, os felinos eram recompensados. Conforme foram aprendendo, os treinadores acrescentaram estímulos mais agressivos, como os ruídos do trânsito, para dessensibilizá-los aos sons do mundo real.
No entanto, para que eles conseguissem ouvir de longa distância as ordens, os cientistas realizaram um procedimento cirúrgico de 1h30 para implantar microfones de sete centímetros no canal auditivo dos gatos, alojando uma fonte de energia a baterias em seu peito e uma antena ao longo da coluna vertebral, praticamente o transformando em um robô. Dessa forma, o animal podia escutar uma conversa enquanto a transmitia por uma frequência de rádio – e assim foi cunhado o nome "gato acústico".
“O conceito por trás do projeto era que, diferentemente do dispositivo mecânico de escuta, a orelha de um gato tem uma cóclea, assim como a orelha humana, e que poderia filtrar os ruídos irrelevantes”, declarou Victor Machetti, ex-oficial da CIA.
(Fonte: Interesly/Reprodução)
Em meados de 1967, um “protótipo” de gato espião ficou pronto após muitos testes realizados em pátios abertos dentro do complexo de inteligência da CIA. A missão inaugural consistia escutar a conversa de dois oficiais soviéticos em um parque em Washington, porém o animal foi atropelado e morto por um carro assim que atravessava a rua a caminho de seu alvo.
Em menos de 2 minutos, anos de trabalho e cerca de US$ 10 milhões gastos na concepção monstruosa foram por água abaixo. Muito embora o programa tivesse financiamento o suficiente para se sustentar por mais 2 anos de pesquisas infundadas, a CIA cancelou o projeto. Segundo consta nos relatórios que existem nos arquivos da Universidade George Washington, os cientistas concluíram que “não seria prático, apesar da energia e imaginação dos envolvidos” continuar treinando os gatos como espiões – embora isso estivesse claro desde o início.
Para não ficarem "para trás", no entanto, eles complementaram que o estudo realizado refletia crédito ao pessoal que o guiou, cuja imaginação deveria ser modelo para os futuros cientistas. Alegaram também que de fato poderiam treinar os gatos, só que para percorrerem pequenas distâncias, uma vez que os fatores ambientais e de segurança impossibilitavam que fossem submetidos a uma situação cotidiana real.
Em 2001, todo o projeto veio a público quando os documentos da CIA foram desclassificados pela National Security Archive, tornando-se ainda mais risível do que já era, apesar de cruel.
Em 2013, no entanto, o ex-diretor do Escritório de Serviços Técnicos da CIA Robert Wallace alegou que o gato não morreu no acidente. Ele teria sido apanhado para evitar que caísse em mãos erradas que pudessem usufruir do “irrepreensível trabalho” que os cientistas norte-americanos tinham feito. Depois eles supostamente teriam retirado o equipamento dele e deixado que vivesse uma vida normal, longa e feliz.