Artes/cultura
02/01/2024 às 04:30•2 min de leitura
Em 2009, um grupo de pesquisadores da Universidade de Amsterdã publicou um estudo alegando que bebês recém-nascidos possuem a capacidade de discernir uma pulsação regular (batida) de uma música. Inclusive, essa é uma habilidade que pode parecer trivial para a nossa espécie, mas é fundamentalmente usada para a criação e a apreciação musical entre os humanos.
Para obter essa informação, o experimento envolveu tocar ritmos de tambor, ocasionalmente omitindo uma batida, para observar a resposta dos recém-nascidos. Para a surpresa dos cientistas, os pequeninos participantes demonstraram uma antecipação da batida perdida por meio de um pico distinto de atividade cerebral, sinalizando uma violação das suas expectativas quando a noite foi omitida.
(Fonte: GettyImages)
Publicada originalmente no MIT Press, a descoberta não só revelou as proezas musicais dos recém-nascidos, como também ajudou a lançar as bases para um campo cada vez mais em destaque dedicado ao estudo das origens da musicalidade. Em comunicado oficial, o principal autor da pesquisa e professor de Cognição Musical na Universidade de Amsterdã, Henkjan Honing, afirmou que "a música não é apenas um fenômeno cultural, mas também possui raízes biológicas, aparentemente oferecendo uma vantagem evolutiva à nossa espécie."
No entanto, como qualquer descoberta científica, muito ceticismo surgiu assim que os primeiros dados apareceram. Alguns cientistas passaram a desafiar a interpretação dos resultados, sugerindo explicações alternativas enraizadas na natureza acústica dos estímulos usados nos recém-nascidos. Outros, por sua vez, argumentaram que as reações observadas foram resultado de aprendizagem estatística, questionando a validade da percepção da batida como um mecanismo separado essencial para nossa capacidade musical.
Contudo, os criadores do estudo argumentam que os bebês envolvem-se ativamente na aprendizagem estatística à medida que adquirem uma nova língua, permitindo-lhes compreender elementos como a ordem das palavras e estruturas de sotaque comuns na língua nativa. Então, por que a percepção musical seria diferente?
(Fonte: GettyImages)
Para enfrentar qualquer desafio científico, os pesquisadores decidiram revisitar e reformular o estudo de percepção de batida em 2015, expandindo o seu âmbito, método e escala para incluir não só recém-nascidos, como adultos (músicos e não músicos) e macacos. Os resultados, publicados na revista Cognition, confirmam os dados obtidos em 2009.
O estudo forneceu evidências convergentes sobre a capacidade de percepção de batimentos dos recém-nascidos, o que significa que métodos alternativos chegaram à mesma conclusão. Quando os mesmos testes foram empregados em macacos em 2018, os cientistas não encontraram qualquer evidência de processamento das batidas musicais, mas somente uma sensibilidade à isocronia — a regularidade dos ritmos.
Isso sugere que a evolução da percepção das batidas se desenrolou gradualmente entre os primatas, atingindo o seu ápice nos seres humanos e se manifestando com limitações em outras espécies. A pesquisa não apenas contribui para a nossa compreensão dos fundamentos biológicos da musicalidade, mas também percorre a natureza multifacetada da nossa capacidade de perceber e interagir com elementos rítmicos ao nosso redor.
Com isso, é possível constatar que a música não é apenas um fenômeno cultural dos humanos, mas também confere uma vantagem evolutiva à nossa espécie.