Artes/cultura
09/05/2024 às 20:00•4 min de leituraAtualizado em 09/05/2024 às 20:00
Já são mais de 730 dias de conflito desde que a Rússia invadiu a Ucrânia. Nos primeiros 4 meses de guerra, em uma análise dos satélites da NASA feita pelo Ucranian Nature Conservation Group, aconteceram pelo menos 37.867 incêndios em grande escala em áreas naturais e agrícolas ucranianas. São 1.006,62 km² de área coberta pelo fogo intenso provocado por artilharia massiva, que destruiu ecossistemas naturais, campos e assentamentos. São 36.154 hectares de florestas e 10.250 hectares de ecossistemas de gramíneas dizimados pelas chamas.
A Inspeção Ambiental da Ucrânia, uma agência governamental, documentou mais de 300 casos do que chama de "crimes ambientais" realizados pela Rússia desde o início de sua invasão, mas acredita-se que o número real esteja perto de 1.500, visto que muitos locais continuam ocupados pelo inimigo ou estão inacessíveis devido aos combates. O órgão estatal se preocupa com o nível de destruição do conflito, de incêndios em depósitos de combustível a devastações em zonas florestais.
Esse, aliás, não é um problema apenas da Ucrânia, mas de todos os países que enfrentam conflitos. Além de mortes, êxodos massivos, traumas psicológicos e outras questões socioeconômicas, precisamos falar sobre como a guerra afeta o meio ambiente.
O problema da guerra no meio ambiente está muito antes de um caça cair em uma área florestal após ser atingido por um míssil inimigo ou uma bomba espalhar fogo por todo o território, ele começa quando as forças militares constroem seus dispositivos para o combate. O esforço de guerra exaure grandes quantidades de recursos, que podem ser desde metais comuns a elementos de terras raras, água ou hidrocarbonetos.
Além disso, veículos militares, aeronaves, embarcações e toda a aparelhagem necessária para se lançar em um conflito bélico requerem energia que, em sua maioria, é oriunda do petróleo, que possui uma eficiência energética baixa. Não é por acaso que as emissões de CO2 das forças militares são maiores do que muitos dos países do mundo juntos. A Conflict and Environment Obervatory estima que os militares são responsáveis não só por 5,5% de todas as emissões de gases de efeito estufa, mas também que suas bases e instalações cubram 1-6% da superfície terrestre global. E em muitos casos, estão localizadas em áreas ecologicamente importantes.
São tão pobres os relatórios sobre os custos ocultos da guerra quanto, historicamente, é fraca a supervisão ambiental com relação ao impacto negativo da força militar no ciclo de vida. Poucas pessoas estão cientes que não são apenas armas nucleares e químicas que criam problemas para o meio ambiente, mas também armas convencionais e seu descarte no mar ou por meio de queima aberta e detonação.
Projetos de investigação da União Europeia estimam que só nas partes alemãs do Mar do Norte e do Mar Báltico contenham cerca de 1,6 milhão de toneladas métricas de munições como relíquias dos conflitos do século XX. Drones subaquáticos identificaram que na área do lixão marinho de Kolberger Heide, no Mar Báltico, perto da cidade de Kiel, há cerca de 30 mil toneladas de minas marítimas enferrujadas, cabeças de torpedos e outras munições despejadas em grandes pilhas ou espalhadas pelo fundo do mar.
Em 1975, a Convenção de Londres determinou que os países estavam proibidos de despejar no mar seu lixo militar, convencional ou químico, mas nem todos respeitam isso.
Quando a guerra atinge os noticiários e, diretamente, as pessoas, então começa um novo capítulo do drama humano: a devastação a olhos nus da natureza. Desde 2011, a guerra civil sangrenta na Síria já resultou na perda de 20% das florestas do país devido às explosões de artilharia que provocam incêndios florestais incontroláveis e também pela exploração desenfreada por parte da massa de refugiados internos. Em busca de uma fonte de recurso, esse povo deslocado e empobrecido recorre ao corte das árvores para cozinhar, se aquecer ou vender a madeira para conseguir sobreviver minimamente, o que causou um processo de intensa desertificação do país mediterrânico.
De uma maneira similar, o mesmo aconteceu na Ruanda de 1994, onde a guerra civil étnica tutsi-hutu desmatou mais de 20 mil acres de área protegida, em sua maioria do Parque Nacional Virunga, na República Democrática do Congo, para a subsistência dos 740 mil refugiados em abrigos.
“A atmosfera não tem limites, não tem fronteiras”, disse Yevgeniy Medvedovskiy, chefe do departamento estadual de inspeção ambiental da região de Zhytomyr à NPR. Já há registros científicos que a guerra na Ucrânia, por exemplo, pode prejudicar a Europa e o Oriente Médio com o resultado dos incêndios florestais e a falta de capacidade cada vez maior em controlá-los.
O movimento de veículos pesados danificam paisagens sensíveis e a geodiversidade tanto quanto o uso de munições explosivas. Em áreas urbanas, eles criam excesso de detritos e escombros, erguendo uma cortina de poluição no ar e sujando o solo superficial e profundo.
A maioria das armas convencionais são constituídas de componentes tóxicos, como urânio empobrecido, portanto, são radioativas. Armas incendiárias de fósforo branco, por exemplo, não apenas são tóxicas como podem danificar habitats por meio do fogo. A Guerra do Vietnã resultou em 2 milhões de hectares de floresta devastada, cerca de 20% da massa florestal no sul do país, e o uso generalizado de desfolhantes químicos prejudicou a saúde pública e ecológica em diversas partes do território.
Esse cenário também facilita o acesso a armas de pequeno calibre, prejudicando a vida selvagem ao aumentar a caça furtiva nesses espaços desgovernados criados pelo conflito, proporcionando condições para o crime contra a vida selvagem. Descobriu-se que muitas armas usadas nesses crimes foram originadas de países afetados por algum conflito bélico.
O cerco feito por esses criminosos acaba impedindo o acesso de ambientalistas para estabelecer programas de conservação ou até mesmo protegê-los diretamente. Essa situação pode acabar encorajando a conservação militarizada, que implica em problemas para a vida selvagem, para as pessoas que dependem dela em comunidades locais e para aqueles encarregados de implementar essas estratégias.
O financiamento de um conflito é outro fator que resulta em degradação ambiental, visto que muitos grupos armados acabam disputando o controle de petróleo e recursos minerais. Eles utilizam métodos de processamento que envolvem, por exemplo, o uso de mercúrio na mineração de ouro, poluindo corpos d’água com seus rejeitos. As empresas privadas são peões nesse jogo ao atuar em áreas afetadas e operar com o mínimo de supervisão ambiental, enfraquecendo o meio ambiente através da guerra.
São esses vários impactos sobre a natureza que fazem com que a guerra seja, por vezes, vista como um "desenvolvimento sustentável ao contrário", ou seja, que atrasa os países, não só pelos danos que gera, mas por impedir que haja qualquer tipo processo de desenvolvimento.
Em outubro de 2015, como parte dos preparativos da Assembleia das Nações Unidas (UNEA), alguns países, como a Ucrânia, cujos ambientes foram danificados ou degradado nos últimos anos por conflitos armados, refletiram o interesse internacional pela proteção ambiental em relação aos conflitos. Existe um crescente reconhecimento de que as leis de guerra existentes pouco fazem para minimizar os danos ambientais e, para piorar, a resposta da comunidade internacional costuma ser inadequada quanto ao seu impacto insidioso na natureza.
E para isso, Carroll Muffet, chefe do Centro sem fins lucrativos para o Direito Ambiental Internacional em Washington, disse à NPR: “Os efeitos da guerra no meio ambiente serão sentidos muito depois que os projéteis terem para de explodir, muito depois que as balas e as armas terem cessado fogo”.