Ciência
05/02/2023 às 09:00•3 min de leitura
Escrito por John Boyne, o livro O Menino do Pijama Listrado foi publicado em 2006 e adaptado para um filme best-seller dois anos depois. Não precisou de muito tempo para que a obra alcançasse fama internacional, tendo mais de sete milhões de cópias vendidas em 2016.
Com isso, colégios em diversas partes do mundo passaram a usá-lo como uma ferramenta auxiliar para ensinar sobre o Holocausto nas aulas de história, o que gerou uma grande polêmica. Em 2020, o perfil oficial do Museu de Auschwitz decidiu se manifestar publicamente ao dizer que o romance infantil "deve ser evitado por qualquer um que estude ou ensine sobre os acontecimentos da Segunda Guerra Mundial". Entenda a polêmica nos próximos parágrafos!
(Fonte: Miramax Films/Reprodução)
A obra de Boyne segue a história de um jovem alemão (Bruno) que faz amizade com um menino judeu (Shmuel) por uma das cercas do campo de concentração de Auschwitz, onde seu pai trabalhava como nazista do mais alto escalão. Bruno possui nove anos, mas aparenta não entender muito bem sobre a guerra ao seu redor, quem são os judeus ou até mesmo quem é Adolf Hitler.
Porém, é aí que a distorção da realidade começa a ser percebida no livro de Boyne. Por ser filho de um oficial sênior da SS, Bruno teria sido, por lei, um membro da Juventude Hitlerista, frequentando uma escola alemã onde os alunos regularmente faziam juramentos ao líder do Terceiro Reich e consumiam propagandas antissemitas por todas as partes.
Nessas escolas, os jovens alemães também aprendiam que a guerra era algo para se orgulhar, pois significava que a Alemanha se tornaria uma grande potência mais uma vez. No entanto, o protagonista do livro faz parecer que a maioria dos civis de seu país eram simplesmente ignorantes ao que acontecia ao seu redor — o que historicamente já foi provado ser mentira.
Enquanto grande parte dos alemães sabiam que os judeus estavam sendo mortos, muitos outros lucraram horrores com o Holocausto, visto que os bens de muitos judeus foram repassados para quem pertencia a "raça ariana".
(Fonte: Miramax Films/Reprodução)
Uma das grandes críticas feitas pelo Museu de Auschwitz à obra de John Boyne é o fato das vítimas judias terem sido retratadas como pessoas unidimensionais, passivas e "sem resistência". Veja só o exemplo de Shmuel, o garoto judeu que Bruno conhece enquanto explorava o "jardim" de sua nova casa.
No primeiro encontro entre os dois, vemos que Shmuel está atrás do arame farpado de um campo de concentração. Ao longo da história, os dois meninos criam uma forte amizade e passamos a conhecer muito mais sobre a vida de Bruno. No entanto, Shmuel só é retratado como uma simples vítima, sem qualquer traço de personalidade ou individualidade, sem fornecer qualquer tipo de conexão emocional com o público.
O jovem judeu e as outras pessoas no campo de concentração são vistas como passivas. Na realidade, porém, a resistência judaica existia dentro e fora dos campos de concentração e de extermínio. Em Auschwitz-Birkenau, conseguiram explodir um dos crematórios e matar vários guardas nazistas, por exemplo. Sendo assim, é importante que as pessoas saibam que os judeus não foram mortos sem tentar lutar pelas próprias vidas.
(Fonte: Miramax Films/Reprodução)
Como dito anteriormente, tanto o personagem de Shmuel quanto qualquer outro judeu apresentado em O Menino do Pijama Listrado não apresenta nenhum traço forte de personalidade. Por esse motivo, quando Bruno cava um buraco no campo de concentração para passar a tarde com seu amigo e acaba indo parar em uma câmara de gás, somos forçados a sentir mais ligação a uma família de nazistas do que as verdadeiras vítimas da situação.
Como a história foca na família de Bruno, o livro simplesmente esquece de citar a maior tragédia do Holocausto: que nenhuma das pessoas mortas com a dupla de jovens naquela câmara de gás verdadeiramente deveria estar lá. Sendo assim, os crimes humanitários realizados pelo exército alemão na Segunda Guerra Mundial nem parecem tão absurdos assim.
Shmuel representa as 1,5 milhões de crianças assassinadas pelo regime nazista em Auschwitz, nos campos de extermínio da Europa ocupada e nos campos de extermínio onde milhões de civis foram mortos a tiros em valas comuns. Mas a simpatia do leitor é dirigida a um comandante do campo de concentração nazista e sua família.