Artes/cultura
01/02/2021 às 08:52•2 min de leitura
Com a pandemia da covid-19 avançando ao longo de um ano ainda com números elevados de mortes e casos confirmados, a história de um vilarejo que tomou uma atitude drástica, corajosa e de empatia para proteger o território próximo em outra situação de saúde pública voltou a ser comentada.
O acontecimento data de 1665, auge da Grande Peste de Londres, uma epidemia de peste bubônica que assombrou a região.
E a atitude dos moradores da pequena localidade de Eyam, no distrito governamental de Derbyshire, fica marcada pela ousadia: isolar boa parte da própria população para evitar um espalhamento da doença pelo resto do território, mesmo que isso significasse um número elevado de mortes entre os próprios habitantes.
Os primeiros casos da epidemia registrados em Eyam datam de setembro de 1665. A doença provavelmente chegou a partir de pulgas que vieram em tecidos encomendados por alfaiates da região — sendo que outros vilarejos próximos ainda estavam livres da epidemia, que matou entre 75 mil e 100 mil pessoas ao todo e foi uma das últimas grandes ocorrências em massa da peste bubônica na Europa, de proporção menor que a Peste Negra.
Temendo que a peste seria espalhada de Eyam para outros locais, o responsável pela igreja da vila, William Mompesson, e o seu predecessor, Thomas Stanley, tomaram uma medida drástica: colocar a vila em estado de lockdown ou quarentena, isolando os doentes e impedindo o espalhamento da doença pelo território.
Foi uma aplicação considerada bem-sucedida do chamado cordão sanitário, uma técnica de combate a epidemias que consiste em restringir a locomoção de pessoas entre fronteiras. Porém, com poucos avanços medicinais na época, não foram poucas as dificuldades encontradas pelos moradores.
Com todas as entradas bloqueadas e moradores isolados ao máximo, a vila sobrevivia pelos produtos locais e também com a ajuda de mercadores que enviavam suprimentos em troca de dinheiro desinfetado com vinagre, posicionado em pedras com orifícios ou pequenos poços na divisa de Eyam. Remédios e alimentos eram obtidos dessa forma.
Além disso, os moradores já praticavam atividades de distanciamento social: eventos religiosos ocorriam ao ao livre, com as pessoas não tão próximas entre si. Os sepultamentos no período também não foram feitos em solos sagrados, como era a tradição, mas sim em terrenos particulares dos próprios moradores para evitar contaminações.
A luta não foi vencida sem sacrifícios: ao todo, 14 meses depois do início do lockdown, eles voltaram a abrir os portões. Cerca de 260 pessoas morreram, o que significa que a vila registrou apenas 83 sobreviventes.
Porém, Eyam entrou para a história por ser uma região que lutou bravamente contra o espalhamento de uma doença: em novembro de 1666, ela já estava erradicada com a ajuda dela e de outras localidades que conseguiram conter a infecção para o norte da Inglaterra, com certeza impedindo que ela fizesse muitos milhares de mortos — com os sobreviventes se transformando em heróis e de consciência limpa de que os vizinhos não foram afetados.
A cidade hoje tem monumentos e placas em respeito às vítimas. Além disso, os moradores despertam a curiosidade da ciência: é possível que descendentes dos sobreviventes da grande peste que foi contida por Eyam tenham uma genética mais propensa à imunização contra certas doenças.