Síndrome do celibato: jovens japoneses desistiram de se relacionar

19/06/2022 às 08:004 min de leitura

Conforme uma pesquisa de setembro de 2016, encomendada pelo governo do Japão através do National Institute of Population and Social Security Research, cerca de 42% dos homens e 44,2% das mulheres — quase metade dos solteiros millennials do país —, com idades entre 18 e 34 anos, ainda são virgens.

Enquanto esses não demonstram nenhum interesse em praticar sexo, 85,7% dos homens e 89,35 das mulheres nutrem esperanças de um relacionamento no futuro. Isso não deveria ser um problema, afinal, em nada o Estado deve opinar em como alguém leva sua vida sexual, mas o medo de extinção sempre foi um fator para os japoneses.

E diante das estatísticas consideradas "assombrosas", o governo entrou em um verdadeiro estado de pânico, sobretudo quando a mídia deu um nome para o que têm acontecido: síndrome do celibato.

Por dentro do problema

(Fonte: Juan Salmoral/Reprodução)(Fonte: Juan Salmoral/Reprodução)

Quando o ano de 2014 foi o de menor natalidade no Japão, com pouco mais de 1 milhão de nascimentos, combinado com 1,3 milhão de mortes no mesmo ano, o caráter patológico criado pela mídia para caracterizar esse fenômeno social colocou o país em mais alerta, visto que a nação enfrenta uma das menores taxas de natalidade do mundo, com uma população de 125 milhões que apenas diminui na última década, devendo cair mais um terço até 2060.

A culpa dessa "catástrofe nacional" que se tornou o celibato pode ser atribuída, em parte, ao governo. Isso porque os relacionamentos se tornaram difíceis e descartáveis diante a estagnação econômica, em transição social após 20 anos; os efeitos na psique da nação afetada pela destruição de 2011 causada pelo Sismo e tsunami de Tohoku, responsável pela morte de mais de 15 mil pessoas; o acidente nuclear de Fukushima; e a desigualdade de gênero.

A professora de diplomacia pública da Universidade de Estudos Estrangeiros de Kyoto, Nancy Snow, explicou em entrevista à CNN que as mudanças nas normas sociais e econômicas contribuíram para a diminuição das relações interpessoais.

(Fonte: amirijina/Flickr)(Fonte: amirijina/Flickr)

Para as mulheres, a aversão ao casamento e à vida na modernidade faz todo o sentido, visto que, desde o período Edo, as mulheres repetem o mesmo velho ditado japonês: “O casamento é a sepultura de uma mulher”. Este foi cunhado para se referir ao longo histórico de esposas ignoradas e trocadas por amantes. Na reinterpretação moderna, o túmulo é visto como suas carreiras duramente conquistadas, em meio aos índices de desigualdade japonês.

“Os chefes supõem que você vai engravidar”, disse a entrevistada pelo The Guardian, Eri Tomita, sobre quando uma mulher assume o status de um casamento. O Fórum Econômico Mundial classificou o Japão como uma das piores nações do mundo em igualdade de gênero no trabalho.

“Um namorado me pediu em casamento há três anos, mas eu recusei quando percebi que me importava mais com o meu trabalho. Depois disso, perdi o interesse em namorar”, revelou ela, que até o momento da matéria trabalhava em um banco francês no departamento de Recursos Humanos. Tomita ainda complementou dizendo que a demissão é uma via de mão única no momento em que uma mulher tem um filho, devido ao horário e políticas inflexíveis de qualquer empresa, fora a pressão social.

Uma matéria da BBC de 2013 indicou que cerca de 70% das mulheres japonesas deixam seus empregos após o primeiro filho, e a demonização social tem um papel fundamental nessa decisão. Mulheres casadas que trabalham e tem famílias são chamadas de oniyome, um termo pejorativo em japonês para dizer "esposas do diabo".

Difícil para ambos os lados

(Fonte: Sushicam/Flickr)(Fonte: Sushicam/Flickr)

A própria estrutura social histórica japonesa criou a percepção de que um compromisso romântico que leva a um casamento existe com o único objetivo de que o casal produza filhos ao país, e essa ideia resiste até hoje. Os dados do Instituto de População e Previdência Social do Japão indicaram que 90% das mulheres jovens acreditam que seja esse o propósito do casamento.

Além disso, o compromisso romântico acaba representando um fardo e um trabalho penoso, com custos altíssimos, em face à compra de propriedades e gastos com o planejamento de um futuro e a criação de filhos. Em adição a isso, há também a persistente expectativa da sociedade, do cônjuge e dos familiares para que a união dê certo, o que acaba resultando em altos índices de ansiedade social, depressão, suicídio ou isolamento social — fenômeno conhecido como hikikomori, mais um dos problemas enfrentado pelo Japão.

Quanto aos homens, a síndrome do celibato acaba atingindo no que é esperado de uma figura masculina, sendo o senso de identidade de alguns conectado ao faturamento por mês. 

“Os homens estão ganhando cerca de um terço da metade do que costumavam ganhar durante os anos de boom econômico na década de 1980”, argumentou Snow. E, segundo ela, os homens acabam se sentindo menores, ameaçados pelas mulheres que lutaram para se fortalecer e ocupar posições de importância, não se enxergando mais como úteis em campo social.

(Fonte: StreetVJ/Shutterstock)(Fonte: StreetVJ/Shutterstock)

Portanto, os homens embarcaram em uma espécie de jornada de rebelião passiva contra a masculinidade tradicional japonesa e a obrigação esmagadora que os afeta, em meio à recessão e aos salários instáveis do país. O entrevistado do The Guardian, Satoru Kishino, disse que se sente obrigado em ser um tipo de guerreiro econômico por uma esposa e uma família. “É muito problemático. Eu não ganho um salário alto para ir a encontros, e não quero a responsabilidade de uma mulher esperando que isso leve ao casamento”, confessou ele.

Na empreitada de tentar resolver esse problema que aflige os japoneses, existem grupos de apoios, como a White Hands, uma organização sem fins lucrativos com sede em Tóquio. Para homens e mulheres, também foi criado a profissão "ajudante do sexo" — que em nada tem a ver com a parte prática da coisa —, mas sim em entender e tentar amenizar o sintoma ou ideia de ansiedade das pessoas em se aproximar do próximo com intuito de alguma relação.

No entanto, para pessoas como Tomita e Kishino, que estão bem longe de serem demovidos de suas vontades ou estilos de vida, isso está muito além de uma noite de prazer na cama de alguém.

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