Artes/cultura
14/05/2023 às 09:00•2 min de leitura
Localizada na parte norte do Canal de Moçambique, no Oceano Índico, a ilha de Mayotte, mais conhecida como Ilha da Morte, é um departamento e região ultramarina e coletividade territorial única da França. Além disso, é o território mais próspero do Canal de Moçambique, um importante destino para imigração – um dos motivos de tensão no local há décadas.
Com 374 km de área terrestre, sustentando cerca de 310 mil habitantes, com 829 habitantes por quilômetro quadrado, em sua maioria muçulmanos, a tensão racial transbordou suas fronteiras com grupos anti-imigração, deportando centenas de comoranos de suas casas na aldeia enquanto protestavam contra o que chamam de "imigração clandestina".
É exatamente por esse motivo que os antigos marinheiros árabes, cujos navios paravam na costa cercada por recifes de coral, apelidaram o local de Ilha da Morte. Desde 1995, quando os vistos para entrar no território foram introduzidos, milhares de ilhéus de Grande Comore, Anjouan e Moheli, morreram afogados tentando chegar lá.
(Fonte: Christian Gohdes/Seawatch.org/Reprodução)
Segundo o diplomata e pesquisador Ahmed Thabet, o mar que separa Anjouan e Mayotte se tornou o maior cemitério náutico do mundo por ter ceifado a vida de cerca de 10 mil comoranos inocentes, em sua maioria mulheres e crianças – apesar de o governador de Anjouan alegar que mais de 50 mil pessoas morreram desde 1995.
Eles chegam em pequenos barcos, conhecidos como kwasa-kwasa, passando por viagens de até 70 km com o sonho de uma vida melhor – mas a realidade é bem diferente. Um relatório de direitos humanos processado pelo Conselho da Europa de 2008 descreveu os imigrantes como "inaceitáveis", por isso, precisavam viver o mais discretamente o possível para evitar a deportação. Isso implicava em condições precárias tanto de saúde quanto de trabalho e vida, além da extensa perseguição e discriminação da sociedade.
Matar Yacoub, encarcerado em um centro de detenção em condições precárias, alegou que os navios franceses mexiam no mar revolto para que os pequenos barcos de imigrantes afundassem. Estima-se que até 40% da população de Mayotte seja composta pelo que o governo chama de "residentes ilegais". Ibrahim Aboubacar, deputado francês por Mayotte, sustenta a opinião de que os estrangeiros na ilha são um fardo tanto para os serviços de saúde quanto para a educação.
(Fonte: Yoram Melloul/Equal Times/Reprodução)
O sentimento de rejeição e não pertencimento se espalhou pela cultura maiote, que chega a comemorar em vez de se sentir triste quando descobre que um barco com imigrantes afundou no oceano.
A história da imigração remonta à era colonial no arquipélago, que se tornou uma colônia francesa em 1912, apesar de sua presença desde 1841. Até houve uma tentativa de independência total, em 1974, mas a França se recusou a ratificar o pedido, então os Comores anunciaram a independência unilateral em junho do ano seguinte. A França ignorou, mas cinco meses depois reconheceu a independência das três ilhas, exceto a de Mayotte.
(Fonte: Gregoire Merot/AFP/Reprodução)
Em fevereiro de 1976, a governo francês realizou outro referendo em Mayotte, que votou a favor de manter sua conexão com o país. No final daquele ano, houve um golpe nas Comores independentes, seguido por um contra-golpe dois anos depois executado por mercenários franceses liderados por Bob Denard. Esse era o início de um período de 20 anos de golpes e instabilidade política nas três ilhas independentes.
Como resultado, as Comores despencaram em questões socioeconômicas, se tornando um dos países mais pobres do mundo no início do século XXI, com ilhéus acusando o governo central na capital Moroni, na Grande Comore, de negligenciar as necessidades básicas de seu povo.
Nesse cenário, não é muito difícil imaginar como surgiu a política ilegal de imigração para Mayotte, com contrabandistas atuando como os antigos coiotes da América do Norte, que operam como verdadeiros criminosos que pouco se importam com a vida e bem-estar das pessoas que enviam em barcos apertados e superlotados para morrerem no oceano