Saúde/bem-estar
18/10/2024 às 03:00•4 min de leituraAtualizado em 18/10/2024 às 03:00
A empresa Asana ergueu uma pesquisa em 2022 em que analisou mais de 10 mil trabalhadores em 7 países e descobriu que 70% deles experimentaram burnout no último ano. Os índices variam conforme as gerações, sendo que 84% da geração Z relata sofrer de exaustão e 74% dos millennials passam pelo mesmo.
Também conhecida como síndrome do esgotamento profissional, a doença não se trata apenas de um cansaço mental ou físico, mas uma exaustão tão extrema e crônica que pode levar a picos de ansiedade paralisantes, cefaleia, pressão alta, alterações no apetite, dores musculares, insônia e depressão. Sem contar com doenças psicossomáticas, como quedas de cabelo, alergias de pele e outros tipos de transtornos de estresse, como o bruxismo.
Com isso, o Departamento do Trabalho dos EUA viu um fenômeno acontecer mesmo em meio ao período devastador causado pela pandemia de covid-19 no começo de 2020: ampla oportunidade de empregos é fruto dos altos níveis de demissões voluntárias. Isso foi o resultado de um efeito rebote devido à quantidade de pessoas adoecendo por não conseguirem mais estabelecer um limite entre a vida pessoal e o trabalho, além de um sentimento de insatisfação geral.
A culpa é dos meios de produção, das normas culturais, das políticas de trabalho e do avanço inexorável do capitalismo em busca de fabricar e construir cada vez mais. Portanto, milhares de pessoas pelo mundo que ainda não estão sofrendo de nenhum sintoma de exaustão clínica ou já experimentaram o burnout, estão abandonando seus trabalhos e aderindo um novo estilo de vida, o slow living.
Em uma sociedade em que trabalhar é sinônimo de status, ganhar dinheiro é uma conquista e se manter ocupado é motivo de orgulho, não fazer nada por um ano inteiro ou simplesmente se ocupar com trabalhos que não requerem esforço, progresso, produtividade ou conquistas – é algo que pode parecer chocante, mas está cada vez mais em alta.
O slow living prega a desaceleração e visa um estilo de vida mais consciente e sustentável, focado em fazer o mínimo possível no trabalho para preservar energia para outras atividades, como hobbies, relacionamentos ou autocuidado. Nesse modelo, bom status financeiro e a carreira profissional deixam de ser um objetivo que precisa ser perseguido a todo o custo.
O conceito do movimento surgiu na Itália em 1986, cunhado por um manifestante chamado Carlo Petrini que, com um grupo de ativistas, visava defender a culinária local quando o primeiro McDonald’s chegou ao país. Naquela época, a rede de fast food não era comum na maior parte da Europa e sofreu grande resistência até cair no gosto popular, sobretudo dos italianos, que culturalmente enxergam a refeição como algo sagrado, além de um momento de reunião e apreciação, aspectos que não condizia com a rapidez proposta pelo fast food.
O slow food iniciado por Petrini prometia comer e comprar localmente, incentivando refeições culturais e de alta qualidade. Agora, o movimento possui adeptos em mais de 150 países e continua a incentivar o prazer de alimentos de boa qualidade e promove salários justos para os produtores. Ele também foi o responsável por gerar outras subculturas que compartilham da mesma filosofia de desacelerar em outras áreas da vida, como o slow fashion e o próprio slow living.
O palestrante e autor do livro In Praise of Slowness, Carl Honoré foi o responsável por lançar o slow living para o mundo em 2004, em uma época em que o modo de vida, além de produção, atingiu uma aceleração muito grande e parecia que as pessoas viviam apenas em função disso, desde trabalhar muito a mecanizar seus deveres como pais.
Apesar de pregar a redução do tempo de telas, seja de celular ou televisão, o slow living têm crescido nas redes sociais por meio de vídeos e depoimentos de adeptos como forma de ajudar as pessoas à medida que o descontentamento com o sistema de trabalho só cresce, os salários enxugam e as demandas aumentam.
O trabalho remoto integral e a semana de trabalho de 4 dias são exemplos de uma sociedade exausta, doente e descontente com o status quo. A pandemia favoreceu muito o slow living por promover uma desaceleração mundial que fez as pessoas perceberem mais os problemas em uma vida agitada, desencadeando o desejo de dar um passo para trás e ter um tempo de qualidade.
Cada vez mais as pessoas buscam por respostas em livros-documentários, como o de Emma Gannon, com o seu A Year of Nothing ("Um ano sem nada", em tradução livre), o relato de 12 meses sabáticos após um burnout clínico que quase tirou sua vida. Seu livro e história são uma jornada focada em recuperar a saúde apostando em atividades tranquilas e também em como silenciar os pensamentos impostores que tendem a nos jogar de volta à rotina esmagadora.
Antes de ir parar em uma cama de hospital, Gannon confessou que surgiram vários sinais. Ela se sentia muito confusa, tinha dores de cabeça latejantes, pouco foco e muito cansaço mental, mas os ignorava e pensava: “Estou ocupada, preciso continuar”. Esse é um pensamento comum, pois a sociedade está condicionada a avançar a todo o custo.
Ao contrário do que se pensa, o slow living não se trata em levar uma vida de pessoa preguiçosa e sem objetivo, mas de mudar as tarefas que são feitas, priorizando o que é importante de verdade e atribuindo a quantidade certa de tempo a cada atividade. Em um contexto menos radical, é aprender a dizer "não" ou "basta" para compromissos, pessoas e tarefas automáticas.
"Tudo, desde nossa saúde e dieta até nossos relacionamentos, famílias, comunidades e escolas estão sofrendo", disse Honoré em entrevista à Martha Stewart. "E isso também está prejudicando nossa capacidade de pensar, vincular, inovar, criar trabalho, ser produtivo e ser criativo".
Em um mundo onde somos constantemente assediados pela ideia de ser e produzir mais, o autocuidado e a autopreservação já são considerados um ato de guerra política, como disse Audre Lorde em 1988 em seu Sou sua irmã.