Ciência
15/05/2024 às 20:00•4 min de leituraAtualizado em 15/05/2024 às 20:00
Todo mundo está cansado – quase que literalmente. Uma pesquisa feita pela empresa Asana em 2022 analisou mais de 10 mil trabalhadores em sete países, e descobriu que 70% deles experimentaram burnout no último ano. Os índices variam conforme as gerações, sendo que 84% da geração Z relata sofrer de exaustão, e 74% dos millennials relataram o mesmo.
No que diz respeito ao sexo, 67% das mulheres relataram sofrer de burnout, em relação a 59% dos homens. No geral, conforme o estudo do Asana, 63% dos funcionários já experimentaram o distúrbio emocional e, infelizmente, 40% dos trabalhadores acreditam que o burnout é uma parte inevitável do sucesso.
Para aqueles que não estão familiarizados com o termo, a síndrome do esgotamento profissional, mais popularmente conhecida por burnout, não se trata apenas de um cansaço mental ou físico, mas uma exaustão tão extrema e crônica que pode levar a picos de ansiedade paralisantes, cefaleia, pressão alta, alterações no apetite, dores musculares, insônia e depressão.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que aproximadamente 12 milhões de pessoas perdem dias de trabalho devido à depressão e a ansiedade, gerando um custo de US$ 1 bilhão por ano em perda de produtividade para as empresas. Em seu relatório State of the Global Workplace: 2022, o Instituto Gallup descobriu que, com a insatisfação, os trabalhadores estão experimentando taxas impressionantes de desengajamento e infelicidade. Sessenta por cento das pessoas relataram estar emocionalmente desapegadas no trabalho, e 19% se sentem extremamente infelizes. Apenas 33% relataram se sentirem engajadas – e isso é ainda menor do que em 2020.
Não é para menos que os especialistas dizem que estamos vivendo na era da Grande Exaustão.
Em julho de 2022, o Departamento do Trabalho dos EUA confirmou que o mercado de trabalho estadunidense enfrenta um fenômeno: a ampla oportunidade de empregos é fruto dos altos níveis de demissões voluntárias, mesmo após o período devastador causado pela pandemia de covid-19 no começo de 2020, que lançou mais de 9 milhões de estadunidenses ao desemprego, conforme dados do Pew Research Center.
Acreditava-se que a flexibilização da rotina de trabalho com a possibilidade do home office nessa nova realidade pós-pandêmica diminuiria as taxas de demissões voluntárias, mas o que aconteceu foi um efeito rebote com a quantidade de pessoas adoecendo por não conseguirem mais estabelecer um limite entre a vida pessoal e o trabalho, e devido a um sentimento de insatisfação geral.
Como ficou claro no relatório do Instituto Gallup, isso acontece porque a maneira como esses trabalhadores vivenciam o trabalho, ou seja, como são gerenciados, treinados e tratados, é mais relevante do que carga horária reajustada, flexibilidade do trabalho e políticas de folga adequadas.
Entrevistados relataram que o tratamento injusto no trabalho, em um ambiente que não enfatiza o respeito, a comunidade e o reconhecimento da contribuição, propiciam os sintomas de frustração, depressão e até mesmo levam ao burnout. No entanto, em muitos casos, se as pessoas não sofrem de algum sintoma de exaustão clínica, eles só desistem porque não aguentam mais as políticas corporativas, o preconceito, favoritismo e o excesso.
Em um artigo para a revista Time, a psicóloga Emily Ballesteros disse que a sociedade enfrenta o que o escritor Cal Newport chama de Grande Exaustão, um contraponto à Grande Renúncia, ou Big Quit, quando mais de 40 milhões de estadunidenses se demitiram em 2021 ao repensaram sua relação com o trabalho.
Segundo a psicóloga, chegamos a esse ponto porque construímos uma sociedade que prioriza os negócios, não as necessidades humanas. Agora, os efeitos estão começando a ficar cada vez mais aparentes com o nível de produção em todo o espectro do capitalismo.
“Podemos suportar as dificuldades com uma moral mais elevada quando mantemos a esperança que as coisas vão melhorar, mas quando em todos os lugares há notícias de que nada vai melhorar, começamos a quebrar”, escreveu Ballesteros.
Uma vez que há várias gerações somos uma sociedade centrada no trabalho mirando o sucesso, tonou-se cada vez mais difícil convencer as pessoas, sobretudo da geração Z, a viver uma vida ocupada que se resume ao trabalho, sendo que isso não se traduz na qualidade de vida que se espera – nem a curto ou a longo prazo.
Os millennials e a geração Z foram criados sob muita pressão para se tornarem grandes realizadores, sendo que os millennials fizeram isso a todo o custo, inclusive sacrificando seu matrimônio, saúde mental e física e momentos de lazer. E apesar disso, muitos não tiveram o retorno que esperavam.
Segundo dados da pesquisa de consumo do U.S. Financial Health Pulse de 2019, cerca de 43,4 milhões de millennials estão enfrentando problemas financeiros, lutando com alguns, mas não necessariamente todos, aspectos de suas vidas financeiras. E muito embora 56% da geração Z esteja deprimida, os millennials continuam na frente com 59% dos casos, segundo o Vivian Healthcare Workforce Report de 2024.
Sendo assim, a geração Z, que está começando a construir sua carreira, se depara com um cenário caótico em que há pouca autonomia, liberdade para encontrar um emprego significativo e bem remunerado em uma estrutura de trabalho que não seja abusiva em todos os aspectos.
Por essa razão que os jovens estão cada vez mais desapegados e se demitindo em um número maior que os millennials. Muitos não têm a ambição de assumir cargos de liderança ou alcançar um patamar muito exclusivo em suas carreiras, não se for necessário passar por um burnout. E aqueles que o fazem, inevitavelmente, se deparam com um diagnóstico do distúrbio emocional ou outro tipo de doença oriunda das políticas workaholic do sistema.
Para o The Economist, o psicanalista Josh Cohen explorou o burnout no fenômeno da Grande Exaustão definindo a sociedade como uma grande caixa de fósforos em que cada palito que queima até o fim significa um passo a mais direção a um futuro em que a estrutura vai começar a falhar de maneira trágica, caso não haja uma mudança significativa.
Enquanto isso, as pessoas procuram restabelecer sua relação com o trabalho de alguma forma que reduza a sensação generalizada de drenagem, mas precisam fazer isso tendo que lidar com problemas pessoais, estressores globais, inflação, instabilidade do governo, e outros fatores que ameaçam a exaustão física, mental e emocional.
Portanto, no final do dia, é a forma que nos sentimos que determina as pequenas decisões que tomamos. Enquanto alguns simplesmente rompem ou desabam, outros tomam pequenas decisões que fazem uma grande diferença, de escolher dormir mais a evitar discutir trabalho fora do horário, enquanto esperam que as mudanças aconteçam de cima para baixo nesse sistema de trabalho fracassado.
Fonte adicional: