Ciência
30/03/2020 às 14:00•5 min de leitura
Ettore Majorana tinha uma mente brilhante desde pequeno. Filho de Fabio Majorana e Dorina Corso Majorana, ele nasceu no dia 5 de agosto de 1906, em Catania, uma província ao leste da Sicília na Itália. Quando criança, ele era tímido demais para se enturmar na escola e fazer amizades, por isso era uma cena comum vê-lo em algum canto, empunhando um lápis e rabiscando um caderno.
Ele também era conhecido por ser medroso demais. Sempre que um problema surgia ou se via em uma situação na qual se sentia acuado, fugia para debaixo de uma mesa com lápis e caderno em mãos e só saía de lá a pedido de sua mãe ou depois que se sentisse suficientemente confortável de novo. Essa quietude e esse retraimento todo afetavam até mesmo os laços familiares, pois também ele era raramente visto brincando entre os irmãos — sendo excluído por sua falta de entusiasmo e timidez.
Ettore Majorana
Contudo, Ettore não estava totalmente sozinho. Para atenuar a solitude social de sua infância, os números se tornaram seus melhores amigos e uma fonte inesgotável de diversão que o deixava envolvido por horas. O garoto sempre apresentou uma habilidade além do normal para realizar operações matemáticas, das básicas até as mais complicadas. A maioria ele aprendeu estudando sozinho por meio dos livros de Engenharia da enorme biblioteca que seu pai tinha em casa.
Obstinado em seguir os passos do pai, Ettore ingressou em 3 de janeiro de 1923 no curso de 2 anos para engenheiros na Faculdade de Ciências da Universidade de Roma. Em 1925, assim que se formou, ele entrou na Escola de Aplicações para Engenheiros. Foi lá que ele conheceu Emilio Segrè (um físico que futuramente seria laureado pelo prêmio Nobel devido à descoberta do antipróton), com quem fez amizade e convenceu-o de que seu futuro estava no campo da Física. Inclusive, o próprio Segrè tinha começado como um engenheiro, mas decidiu seguir o conselho de um professor e mudou de ramo.
Da esquerda para a direita: Oscar D'Agostino, Emilio Segrè, Edoardo Amaldi, Franco Rasetti e Enrico Fermi.
Assim que entrou na faculdade, não demorou muito para que Ettore Majorana, apresentado por Emilio Segrè, se juntasse ao físico Enrico Fermi (na época com apenas 27 anos) no grupo chamado “Os rapazes da Via Panisperna”. Essa denominação foi atribuída em virtude do nome dessa via, que era a rua onde ficava o Instituto de Física da Universidade de Roma. A equipe consistia em promissores jovens cientistas que ao longo dos anos foram os responsáveis pela descoberta do nêutron lento, o qual possibilitou a criação do reator nuclear e mais tarde da bomba atômica.
Durante os anos de estudos e descobertas, as pesquisas revolucionárias de Ettore envolveram a melhor compreensão de como funcionam os raios alfa, beta e gama, que produziram frutos para uma década toda. Em 1932, após desenvolver os estudos relacionados à espectroscopia atômica (o método de análise usado para determinar qualitativa e quantitativamente a presença de metais), Ettore mudou o seu foco para os trabalhos de Frédéric Joliot e Irène Joliot Curie.
Com base na partícula nova e incomum, que se acredita ser o misterioso raio gama dos pesquisadores Joliot e Joliot Curie, Ettore pensava diferente do conceito proposto pelos dois estudiosos. Ele propôs a Enrico Fermi que essa partícula possivelmente possuía uma carga neutra em comparação às outras.
Impressionado, Fermi pediu a Majorana que publicasse um artigo sobre a sua teoria. No entanto, ele fez pouco caso da própria descoberta e custou acreditar que valesse a pena escrever e levá-la ao conhecimento público. Ainda naquele ano, James Chadwick ganhou o Prêmio Nobel por descobrir a mesma partícula que Ettore, a qual ele nomeou de nêutron. De longe, esse possivelmente foi um dos maiores arrependimentos da vida acadêmica de Ettore.
Dos poucos artigos que o homem dobrou a sua animosidade para publicar está a famosa teoria simétrica de elétrons e pósitrons, responsável por introduzir a chamada hipótese de neutrinos. Na época, em 1937, ele chocou físicos ao argumentar que uma partícula poderia ser a sua própria antipartícula. Na atualidade, muitos experimentos são destinados à detecção de alguns dos fenômenos que surgem dessa hipótese de Majorana, incluindo a oscilação de neutrinos e o possível decaimento beta duplo sem neutrinos.
Se não fosse por seus arquivos de anotações, as declarações de colegas de pesquisa e "apenas" seus nove artigos publicados ao longo de sua atividade, muito de sua contribuição histórica e mundial na Física teria se perdido no decorrer do caminho.
Matéria da época do desaparecimento do físico.
Em meio ao período mais "atômico" da história, em que os jovens físicos trabalhavam duro para desenvolver ainda mais a estrutura funcional do reator nuclear, Ettore decidiu ingressar como professor de Física na Universidade de Nápoles, afastando-se de repente de tudo e de todos. A princípio, ele não disse nada, mas após muita pressão, o físico alegou que era por motivos de saúde e também familiares.
Depois de um tempo longe, Ettore simplesmente removeu do banco todas as suas economias. na noite de 23 de março de 1938, aos 32 anos, ele pegou um barco para Palermo e desapareceu. Além de uma quantidade extensa de artigos e pesquisas, ele deixou uma carta para Antonio Carrelli, diretor do Instituto de Física de Nápoles, desculpando-se e retratando-se antecipadamente pelo o seu desaparecimento.
Assim que veio a público o desaparecimento de Ettore, o seu amigo Enrico Fermi declarou: “Existem várias categorias de cientistas no mundo. Os de segundo ou terceiro escalão fazem o seu melhor, porém sem nunca chegarem muito longe. E então, há os de primeiro escalão, onde ficam aqueles que fazem descobertas importantes e fundamentais para o progresso científico. Porém, existem os gênios, como Galilei e Newton. Majorana era um deles”. E ainda afirmou que se Ettore tinha desaparecido por vontade própria, ele nunca seria achado, simplesmente por ser inteligente demais.
As suspeitas apontaram para um suicídio (o homem teria saltado no Mediterrâneo durante a sua viagem de barco). Ele deixou um bilhete em um hotel em Palermo para a sua família no qual dizia: “Eu desejo apenas uma coisa: não usem preto. Se estiverem em conformidade com o costume, então usem esse emblema de luto. Depois disso, lembrem-se de mim em seus corações. Se puder, perdoem-me”.
Por ser muito católico, a família afirmou na época que ele jamais tiraria a própria vida. E, se o tivesse feito, não fazia sentido ele ter tirado todo o seu dinheiro do banco para isso. Por outro lado, alguns estavam convencidos de que Ettore decidiu desaparecer por ter previsto que as forças nucleares levariam às armas. Sendo assim, ele não teria suportado a hipótese de ver o seu trabalho convertido em algo destrutivo.
Quando supuseram uma crise de fé existencial que poderia ter culminado em suicídio ou reclusão em um mosteiro, o Monsenhor Riccieri, com quem o físico se confessava, descartou apenas a possibilidade do suicídio, mas guardou o resto para a privacidade do confessionário.
À esquerda, o homem comparado a Ettore Majorana.
Em março de 2011, o Ministério Público de Roma abriu um inquérito com base em uma declaração feita por uma testemunha anônima na qual ela disse ter conhecido um amigo que esteve com Ettore em 1955. Na ocasião, o físico e o suposto amigo teriam conversado sobre a divulgação de várias das principais descobertas científicas Majorana.
No dia 7 de junho de 2011, a mídia italiana divulgou que o Departamento de Investigação Científica de Roma estava analisando a fotografia de um homem tirada em 1955. Nela, encontraram dez pontos de semelhança entre o rosto dele e o de Majorana, então eles afirmaram que certamente era o físico naquela foto.
A Procuradoria de Roma iniciou uma investigação intensa acerca da morte do homem, muito diferente do que foi feito no passado. Em fevereiro de 2015, o Ministério Público de Roma declarou que Majorana viveu bem enquanto se refugiou na Argentina e depois foi morar na América do Sul, onde passou o resto da sua vida.
No entanto, corpo nenhum jamais foi encontrado ou outro rastro além da foto e ainda fala-se que a investigação não checou a fundo os acontecimentos. Talvez porque, para muitos, Ettore Majorana desapareceu em si mesmo. Provavelmente, ele correu para debaixo da mesa que existia em sua mente, onde estava a salvo de tudo. Onde estava a salvo dele.