Ciência
02/09/2020 às 15:00•3 min de leitura
Quando o projeto foi idealizado em 1938, a princípio, a Willowbrook, localizada em Staten Island, Nova York (EUA), seria destinada às crianças com transtornos mentais. Dois anos depois que a instalação de 375 acres ficou pronta, a Segunda Guerra Mundial já havia começado, portanto o local foi convertido em um hospital para militares de guerra, nomeado Halloran General Hospital.
Com o fim da guerra, já havia planos traçados para que o hospital fosse entregue definitivamente ao Departamento de Assuntos Veteranos dos Estados Unidos, órgão responsável por fornecer serviços de saúde para veteranos militares. No entanto, o então governador de Nova York, Thomas Dewey, interveio nessa transação alegando que: “há milhares de crianças no estado que são física e mentalmente deficientes ou retardadas mentais que nunca poderão fazer parte da sociedade. Elas precisam de um local para serem tratadas com um alto grau de ternura e afeição”.
Sendo assim, em meados de outubro de 1947, o Departamento de Higiene Mental do Estado de Nova York reivindicou a posse do local e abriu a Willowbrook State School, como planejado em 1938. Apesar da palavra “escola” em seu nome, nunca houve uma estrutura educacional na instituição. O máximo que os internos receberam foram 2 horas de aulas por dia ministradas por estudantes voluntários, que não iam com frequência.
(Fonte: The Forward/Reprodução)
Em agosto daquele ano, já havia mais de 2 mil pessoas morando na instituição, construída para receber 4 mil residentes. Não demorou para que, por detrás dos pavilhões de tijolos aparentes, cercado por uma pequena floresta e com um carrossel pintado de amarelo e azul na entrada, o local escondesse negligência, dor, sofrimento e abandono estatal.
O Willowbrook repetia a sina de todas as instituições psiquiátricas que foram estabelecidas no mundo desde meados do século XIX. Além da superlotação e da falta de recursos de higiene básica e alimentação, os residentes sofriam com abusos sexuais, físicos e eram amontoados em quartos como se estivessem em cativeiros. Diversos surtos de doenças começaram a surgir no local, principalmente de hepatite, e muitos pacientes morreram. Por vezes, os funcionários só retiravam os cadáveres dias depois, permitindo que eles apodrecessem em meio aos vivos.
(Fonte: Semantic Scholar/Reprodução)
A hepatite foi considerada uma das doenças mais mortais da humanidade, portanto, em 1950, tornou-se fundamental para os Estados Unidos fabricar uma vacina, principalmente depois de um surto da doença ter afetado mais de 50 mil soldados durante a Segunda Guerra Mundial.
O médico e pediatra Saul Krugman foi até o Conselho Epidemiológico das Forças Armadas com a proposta de criar uma vacina para hepatite. Ele queria desenvolvê-la no Willowbrook, pois o lugar, além de estar infestado pela doença, estava cheio de "cobaias" para os experimentos — que seriam realizados através de exposição direta do corpo ao vírus, o mesmo método usado desde o século XVIII.
(Fonte: The Cut/Reprodução)
Apesar do depósito de seres humanos que era o Willowbrook, ainda assim era a única instituição gratuita do estado para crianças com transtornos mentais, portanto havia uma longa lista de espera. Krugman ofereceu vagas para os filhos dos pais que aguardavam na fila em troca de usá-los nos experimentos, mesmo que isso pudesse matá-los ou fosse doloroso. Quando indagado sobre o motivo de não realizarem os testes em animais de laboratório, o médico alegou que eram “caros demais”.
(Fonte: Pinterest/Reprodução)
Em 1958, Krugman escreveu em um artigo publicado no New England Journal of Medicine que não era fácil injetar o vírus da hepatite em pacientes do Willowbrook, mas que fez mesmo assim porque acreditava que a recompensa valia o risco. Além disso, as crianças “seriam infectadas de qualquer maneira dentro da instituição”, ele afirmou.
O resultado humano foi que centenas de crianças sofreram durante os experimentos de Krugman, fossem as retiradas através de coerção de uma lista de espera de milhares de nomes ou as infectadas deliberadamente por meio da mistura de leite com chocolate junto à cepa do vírus. Por outro lado, o resultado científico foi a descoberta de quanto tempo demorava para que as crianças apresentassem os sintomas da doença, e como o organismo se comportava depois que o médico aplicava o vírus novamente.
(Fonte: NY Daily News/Reprodução)
Em agosto de 1965, a instituição já abrigava 6 mil pacientes. “As pessoas estão vivendo na sujeira, em quartos menos confortáveis e alegres do que as gaiolas nas quais colocamos animais em um zoológico. Aquilo é um ninho de cobras”, acusou o então senador Robert F. Kennedy durante uma de suas visitas ao local.
Imediatamente, os experimentos humanos de Krugman foram interrompidos, mas o hospital continuou funcionando, visto que ninguém mais conhecia sua realidade. Até que, em 1972, o repórter investigativo Geraldo Rivera, da WABC-TV, lançou o documentário Willowbrook: The Last Great Disgrace em rede nacional, causando um choque na sociedade ao expor as deploráveis condições de vida na instituição.
(Fonte: Timeline/Reprodução)
Em 17 de março de 1972, uma ação coletiva foi movida contra o Estado de Nova York pelos pais de cerca de 5 mil pacientes internados na Willowbrook State School. Três anos depois, o sucesso do processo levou à aprovação do Ato Nacional de Pesquisa, que regulamenta o uso de pessoas em pesquisas, e da Lei dos Direitos Civis das Pessoas Institucionalizadas, de 1980.
A cidade de Nova York comprou parte da propriedade da Willowbrook para que compusesse o campus da Universidade de Staten Island, inaugurada em 1993. A outra porção do terreno foi mantida pelo Escritório para Pessoas com Deficiências de Desenvolvimento.
Mais tarde, a revista científica sobre medicina The Lancet, que publicou os estudos de Saul Krugman mesmo sabendo de seus métodos, desculpou-se por ter feito parte dessa história macabra: "Os experimentos de Willowbrook sempre trouxeram a esperança de que a hepatite um dia pudesse ser evitada, mas isso não poderia justificar a distribuição de material infectado para crianças que não se beneficiariam com isso".
“Todo mundo sabia que a instituição não era uma maneira de cuidar dessa parcela da população. Mas aquele foi o fim da era institucional que existia desde Bedlam, em Londres”, refletiu Gerald Riviera.