A polêmica em torno da história de Joaquim e Ana, avós de Jesus

Os cristãos estão sempre em busca de mais informações sobre a história de Jesus Cristo. Mas pouco se sabe sobre Joaquim e Ana, os pais de Maria e, portanto, os avós de Jesus. Ainda que a Bíblia reserve poucas linhas a esse casal, eles são considerados santos pela Igreja Católica.

A principal fonte de informações sobre eles é um evangelho apócrifo (ou seja, sem autoria definida), que muitos creditam ao apóstolo Tiago. O documento foi escrito provavelmente no ano 150 da era Cristã, bem após da ocorrência da morte de Joaquim e Ana.

Ainda assim, há alguma polêmica sobre a veracidade deste registro, que pode ter sido criado para aferir uma história mais nobre à família de Maria. "Historicamente, não sabemos nada sobre os pais de Maria. A única coisa que temos como evidência é o Proto-Evangelho de São Tiago, que é um texto não canônico do segundo século", explicou o vaticanista Filipe Domingues, doutor em ciências sociais pela Pontifícia Universidade Gregoriana, em entrevista à BBC News Brasil.

"Santa Ana e São Joaquim aparecem nesse texto. Não é exatamente uma evidência histórica, já que estamos falando já de algo escrito muito tempo depois da vida de Jesus e de um texto não canônico. Assim, o que a gente sabe sobre eles é o que acabou entrando na tradição. Histórias baseadas em relatos circulavam desde o início do cristianismo, e muitos deles acabaram ficando", complementou Domingues.

O culto aos pais da Virgem Maria

(Fonte: Globo)

O culto a Joaquim e Ana começou tardiamente no mundo ocidental, em torno dos anos 900 e 1000 d.C. Em 1584, o papa Gregório XII decretou a festa litúrgica dos dois santos no dia 26 de julho.

O nome Ana vem do hebraico Hannah, "graça", enquanto Joaquim, no hebraico, significa "Deus torna fortes". Segundo o Proto-Evangelho de Tiago, Ana teria sido uma israelita vinda da tribo de Judá, e filha do sacerdote Mathan, descendente do Rei David.

Já Joaquim teria sido um homem piedoso e rico, que vivia próximo a Jerusalém, perto da piscina de Betzatá — que aparece no Novo Testamento como o lugar em que Jesus realiza a cura de um paralítico.

Um dia, enquanto Joaquim levava ofertas para o templo, o sumo sacerdote parou-o e disse: "tu não tens direito de o fazer, pois não geraste prole". Joaquim e Ana eram casados, mas não tinham filhos e sua idade era avançada para tê-los. Seriam, portanto, estéreis, o que era visto como uma maldição divina.

Joaquim, que era um rico pastor, não queria se casar com outra mulher para poder ter um filho. Por conta disso, dirigiu-se ao arquivo das doze tribos de Israel para investigar se havia verdade no que o sumo sacerdote dizia. Verificou então que todos os homens benditos tinham filhos, e ficou devastado.

Por consequência, Joaquim não teve coragem de voltar para casa e foi para uma montanha. Lá ficou por 40 dias e 40 noites, suplicando a ajuda de Deus. Neste momento, Ana, que também sofria, também se dedicou à oração implorando por um filho. Foi quando um anjo teria chegado e dito a ela: "o Senhor escutou a tua oração, e tu conceberás e darás à luz, e falar-se-á da tua prole em todo o mundo". Meses depois, Ana deu à luz a Maria, nome que significa "predileta do Senhor".

A polêmica em torno da família de Jesus

(Fonte: Aleteia)

O culto à família de Jesus começa a ser registrado em 550, em Constantinopla, quando foi construída uma igreja em homenagem à Santa Ana. Já Joaquim não foi lembrado por muito tempo. Sua primeira data celebrativa, o dia 20 de março, foi estabelecida em 1584. Mais tarde, ele passou a ser associado à data de Santa Ana.

Os estudiosos do cristianismo que acreditam que talvez não haja total fidedignidade na história dos avós de Jesus ponderam que, pelo culto de Jesus Cristo não ter nascido junto com ele, é justo imaginar que detalhes de sua história não tenham sido registrados. Isto só teria acontecido posteriormente, com o surgimento de uma nova religião

Segundo o historiador André Leonardo Chevitarese, autor do livro Jesus de Nazaré: O Que a História Tem a Dizer Sobre Ele, há documentos que indicam que as passagens referentes a Joaquim e Ana foram inseridas a posteriori no Proto-Evangelho de São Tiago. "A gente suspeita que os dados relativos ao nascimento de Jesus e a José e Maria como pais de Jesus teriam sido suplementos agregados de forma tardia, provavelmente no século II", explicou à BBC.

Para o historiador, isto teria ocorrido porque havia uma demanda dos grupos cristãos sobre a história pregressa de Cristo, como suas origens familiares. "Quando veio esse interesse, já era tarde, não havia mais ninguém vivo para tirar as dúvidas, para explicar quem era o pai, quem era a mãe, o que faziam, filhos de quem eram, essas narrativas da infância de Jesus", afirmou.

Neste contexto, as narrativas dos avós de Jesus teriam ganhado contornos mitológicos, seguindo a visão de Cristo como tendo um status divino. Chevitarese ainda explicou à BBC que o documento de Tiago teria ajudado a resolver um problema relativo à mãe de Jesus, Maria, pois pesava sobre ela a acusação de ter tido um filho fora do casamento. "Segundo o evangelho de Mateus, José, quando soube que Maria estava grávida, disse 'esse filho não é meu, eu nunca tive qualquer contato com ela'."

Assim, para resolver a situação de Maria, a narrativa heroica em torno de seus pais veio a calhar, pois eles teriam tido um filho por conta de um milagre. "Provavelmente estamos, portanto, no campo do mito, no campo de um tipo de literatura que quer resolver essa acusação de, entre aspas, prostituição de Maria, a mãe de um filho ilegítimo, fora do casamento", finalizou o historiador.