Ciência
15/05/2015 às 12:17•7 min de leitura
Talvez um dos lugares do mundo nos quais a insignificância e fragilidade do homem com respeito à natureza se tornam extremamente evidentes é na Antártida. Com uma área total equivalente a 14 milhões de quilômetros quadrados, o continente é quase duas vezes maior do que o Brasil inteiro — e possui 17.968 quilômetros de costa. No entanto, essas são praias que ninguém escolheria como destino de veraneio ou gostaria de dar mergulhos refrescantes!
A Antártida, por mais incrível que possa parecer, é o maior deserto que existe no planeta, e em alguns pontos de seu território não foi registrada nenhuma chuvinha sequer ou precipitação na forma de neve nos últimos 2 milhões de anos. Só para você ter uma ideia, a precipitação anual é de míseros 10 centímetros — contra 25 cm por ano que são registrados no Saara, por exemplo. E venta. Muito! Tanto que em alguns locais a velocidade do vento chega a 320 km/h.
Além disso, a temperatura média ao longo do ano é de frígidos – 50° C, e a temperatura mais baixa já registrada no continente foi a de 89,2° C negativos — embora medições por satélite tenham detectado temperaturas de até – 93,2°C! A temperatura mais alta já registrada no continente foi de 14,5° C e, curiosamente, há 50 milhões de anos a Antártida era tão cálida quanto a atual Califórnia.
Quase todo o continente se encontra sob o gelo, com exceção de apenas uma área correspondente a menos de 1% de todo o território que sempre fica exposta. Além disso, aproximadamente 70% da água doce do mundo se encontra na Antártida, e a espessura média da camada de gelo antártico é de 1,6 quilômetros — com alguns pontos com mais de quatro quilômetros. Por certo, cerca de 90% de todo o gelo do mundo está no continente.
Ao longo dos anos, diversos países tentaram reclamar seu pedacinho de terra no continente, e em 1959, a assinatura do Tratado da Antártida — firmado por 48 nações — designou o território como reversa natural voltada para a paz e a ciência. Desde então, a Antártida continua sendo um continente livre e sem governo estabelecido. Contudo, o documento não serviu para intimidar todo mundo não...
Sete países — França, Nova Zelândia, Chile, Austrália, Argentina, Reino Unido e Noruega — reivindicaram seus “pedaços”, sendo que a Austrália alega possuir o maior território na Antártida, equivalente a 5,8 milhões de quilômetros quadrados. E em meados da década de 70, com o objetivo de requerer parte do continente, os argentinos enviaram uma mulher grávida à Antártida.
O bebê — um menino que foi batizado de Emilio Palma — se tornou o primeiro ser humano a nascer no território antártico de que se tem notícia. Já o Chile conta com uma população de civis na Antártida, completa com hospital, escola, agência de correios, um hotelzinho para receber visitantes e cobertura para internet e telefones celulares. Além disso, é possível encontrar sete igrejas cristãs no continente, e um único caixa eletrônico.
A Antártida é o continente mais seco, frio, com a maior média de altitude — de 2 mil metros, aproximadamente — e a maior ocorrência de ventos fortes da Terra. Por essa razão, não é de se estranhar que a Antártida seja o continente menos populoso do planeta, e o território jamais contou com uma população nativa.
Aliás, também não existem habitantes permanentes no continente, e o número de “moradores” temporários varia entre 4,4 mil no verão e 1,1 mil no inverno — que se distribuem nas poucas bases polares instaladas pelo território. Talvez por seja por esse motivo que os animais que habitam a região não se intimidem muito com a aproximação dos humanos.
Não existem mamíferos terrestres que sejam endêmicos da Antártida, embora o continente sirva de lar para uma enorme população de pinguins, assim como para focas, baleias, peixes e krill, que são pequenos crustáceos invertebrados parecidos com os camarões e que servem de alimento para as baleias.
A Antártida é o único continente do mundo desprovido de répteis, e não existem ursos polares por lá — nem esquimós, já que ambos são nativos do Ártico! Os cães da raça husky siberiano chegaram a correr por lá, mas sua presença foi banida em 1994. Outra informação curiosa: as formigas já colonizaram todos os continentes da Terra, com exceção da Antártida e algumas ilhas distantes ou inóspitas.
Sem “dono” e sem governo, a principal preocupação relacionada com a Antártida é a questão ambiental — e sobre o que fazer para proteger o continente. Os maiores impactos são provocados pela ação de pessoas que jamais sequer puseram os pés no território. Afinal, pesquisadores detectaram a presença de partículas de chumbo proveniente da gasolina no gelo, assim como vestígios de pesticidas em tecidos orgânicos e fezes de animais.
Além disso, fragmentos de plástico e outras porcarias acabam chegando até a costa Antártida, sem falar nos perigos apresentados pelas mudanças climáticas e no “buraco” na camada de ozônio, que se encontra justamente sobre o continente. A pouca presença humana também tem provocado impactos negativos e, ademais da preocupação com respeito à exploração de matérias primas — como o petróleo, por exemplo —, o turismo também levanta inquietação.
De momento, as próprias companhias de turismo vêm se comprometendo no sentido de causar a menor interferência possível, o que está muito longe de ser o ideal. Ao não contar com governo próprio, embora muitos países tenham apresentado propostas para minimizar o impacto causado pelos visitantes, estabelecer regras eficientes não é tão simples como parece.
Portanto, o melhor seria que os países que firmaram o Tratado da Antártida se reunissem de uma vez e definissem uma regulamentação detalhada com o intuito de proteger o delicado ecossistema local.
Apesar de a vastidão, o isolamento e as condições climáticas extremas assustarem os menos destemidos, a verdade é que as visitas ao continente gelado quase sempre extrapolam as expectativas dos turistas. Mas, para chegar até lá, além de ter de encarar uma viagem geralmente difícil e de ter de desembolsar quantidades enormes de dinheiro, é importante ter em mente que o itinerário não depende de calendários, mas sim do clima — e do gelo.
Uma das rotas de acesso mais populares é através de Ushuaia, na Argentina, que fica cerca de mil quilômetros ao norte da Antártida — e é o porto mais próximo do continente gelado. De lá, muitos visitantes iniciam a viagem passado pela Passagem de Drake, que é a parte do Oceano Antártico que separa a América do Sul da Antártida.
A maioria dos navios de cruzeiro zarpa entre novembro e meados de março, e a duração do passeio é de 8 a 21 dias — com a possibilidade de parada pelas ilhas Malvinas, Geórgia do Sul, Órcades do Sul, Ilha Elefante e Shetland do Sul. Alternativamente, é possível voar de Punta Arenas, no Chile, até a Estação Frei. Contudo, independente do meio de transporte escolhido, prepare-se para gastar entre US$ 6 e 25 mil (ou de R$ 18 a 75 mil) só com o passeio.
Atual Estação Polo Sul Amundsen-Scott
Quem vai até a Antártida não pode deixar de visitar o Polo Sul, não é mesmo? Pois a “Estação Polo Sul Amundsen-Scott” é a base de pesquisa mais próxima — localizada a 100 metros de distância do Polo Sul geográfico. Construída pelos norte-americanos em 1956, a estrutura vem (de uma forma ou outra) sendo constantemente ocupada desde então. Na verdade, a estação original foi abandonada em 1975, depois de ser soterrada pela neve acumulada ao longo dos anos.
Domo
A estação foi relocada em um novo complexo conhecido como Domo — com 50 metros de diâmetro e 16 de altura — que abrigava uma série instalações, incluindo um laboratório, acomodação para os ocupantes, refeitório e área recreativa. Essa estrutura também se tornou instável, dando lugar uma nova base que pode ser elevada para evitar o soterramento, e que se encontra em operação desde 2003.
O maior “acampamento antártico” se encontra na Estação McMurdo, uma base científica que pertence aos EUA e é a maior do continente, servindo de lar para mais de mil pesquisadores das mais variadas áreas durante o verão. Aliás, é aqui que se localiza o único porto da Antártida, e de onde saem as expedições para a Estação Amundsen-Scott — o que significa que existe muito mais gente circulando por ali do que os mil “residentes” oficiais.
Plataforma Ross
Mas quem vai à Antártida não está especialmente interessado em ver bases e acampamentos, e um dos locais mais famosos do continente é a “Plataforma de Gelo Ross”, que conta com uma superfície de 487 mil quilômetros quadrados — ou seja, o equivalente ao território da França! A espessura do gelo varia entre os 335 e 700 metros, e nos locais onde os glaciares se encontram ela pode chegar a mil metros.
O mais inacreditável é que a plataforma inteira está, na verdade, flutuando sobre o mar de Ross. Além disso, essa massa de gelo é responsável pela liberação de icebergs espetaculares, como um com 155 quilômetros de comprimento por 35 de largura em 1987, e outro — chamado Iceberg B-15 —com 295 quilômetros de comprimento por 37 de largura no ano 2000. Esse monstro de gelo acabou se fragmentando em vários icebergs menores, dos quais o maior media 122 km por 27 km!
Iceberg B-15
Outro local muito visitado é o Canal Lemaire, que conta com apenas 1,6 mil metros de largura e 11 quilômetros de comprimento. O trecho é tão bonito, que ele acabou recebendo o apelido de “Canal Kodak” — por conta das deslumbrantes fotos clicadas ali. No entanto, às vezes acontece de o gelo bloquear o caminho, impedindo os navios de completar a passagem.
Canal Lemaire
Outro ponto badalado é a Baía Paraíso — um porto localizado na região ocidental da Antártida onde se encontra a base científica argentina Almirante Brown. Como o próprio nome indica, a baía é linda, oferecendo vistas das montanhas refletidas em suas águas e de icebergs majestosos para os turistas que embarcam em cruzeiros pela região. Contudo, um dos locais mais intrigantes são as Cachoeiras de Sangue, sobre as quais já falamos aqui no Mega Curioso.
Elas se encontram situadas na geleira de Taylor, onde a água não se encontra congelada junto à rocha devido à alta concentração de sal. E a cor avermelhada se deve à ação de bactérias presentes em um bolsão de água salgada que forma um lago subterrâneo que foi bloqueado a milhões de anos por um glaciar. Esses microrganismos são capazes de metabolizar o enxofre e os íons de ferro presentes na água, resultando na intensa cor vermelha da cachoeira.
Monte Érebo
Expedição Roald Amundsen
Helicóptero a caminho de um dos fragmentos do Iceberg B-15