Ciência
09/06/2020 às 14:00•3 min de leitura
Desde o dia 16 de julho de 1918 o nome Romanov está associado diretamente ao trágico massacre de toda a família do último czar da Rússia, que culminou no fim da mais antiga dinastia do mundo. É uma história universal que pouco precisa ser descrita.
No entanto, antes da ascensão de Nicolau II ao poder houve um evento catastrófico que foi uma espécie de presságio para o tipo de governante que ele seria e no que as suas malfadadas decisões culminaram.
(Fonte: Lisa's History Room/Reprodução)
No dia 26 de maio de 1896, Nicolau II e sua esposa Alexandra Feodorovna foram coroados imperador e imperatriz da Rússia. Em celebração a isso, quatro dias depois, eles fariam uma cerimônia aberta ao público no chamado Campo de Khodynka, que fica a noroeste de Moscou. Com quase 2 quilômetros de extensão, a explanada foi batizada com esse nome por conta do pequeno rio que cerca os arredores. Naquele tempo, o terreno era destinado ao treinamento do exército russo, por isso necessitaria de algumas mudanças para sediar um evento como aquele.
Seria uma festa, portanto comida era uma atração tão principal quanto a aparição dos monarcas, sobretudo em um país onde a fome era o que de fato imperava. Para bem recepcionar a sociedade russa, foram erguidos cerca de 20 bares, 150 barracas de comida e doces, além de um palco enorme para uma apresentação teatral.
Apesar de o czar Nicolau II não ser tão apreciado naquele momento por ter seguido os passos de seu pai em uma crença de governo absolutista — ainda que com um apelo à monarquia constitucional —, o evento com tanta coisa gratuita se tornou uma espécie de oásis, e ninguém perderia. Todos estariam lá para saudar mais uma ascensão de um czar bonito e jovem ao poder.
A euforia era tamanha que às 5h do dia 30 de maio de 1896 já existiam 500 mil pessoas forçando os portões do campo, embora o evento estivesse marcado para começar às 10h. O caos teve início quando o público ficou sabendo que não haveria comida e presentes suficientes para abarcar a quantidade de pessoas.
Então eles começaram a empurrar.
(Fonte: Posterazzi/Reprodução)
Não demorou para que percebessem que os 1,8 mil oficiais não eram suficientes para conter o meio milhão de pessoas. Os funcionários começaram a gritar para que a população se acalmasse, porém a histeria era maior e se espalhou de uma maneira irreversível. Os portões foram derrubados, e as pessoas invadiram o campo de Khodynka.
O público começou a cair e consequentemente ser pisoteado por quem vinha logo atrás. Crianças se perderam dos pais. Mulheres foram estupradas. Os homens se espancavam e eram feridos com facas e outros tipos de armas. Os tiros disparados para o alto na tentativa de acuar a população desvairada não adiantaram; só serviram para desencadear mais caos e incentivar o ataque de homens aos soldados, que começaram a atirar para matar.
Mas o pior ainda estava para vir. A organização do evento tinha feito um trabalho medíocre na infraestrutura do campo, assentando apenas tapumes de madeira sobre os poços espalhados pelo terreno. Com a quantidade de peso, milhares de pessoas começaram a cair nos buracos e o pânico tornou-se ainda maior.
Estima-se que, entre pisoteados e baleados, cerca de 2 mil pessoas morreram naquele dia e outras 1,3 mil saíram feridas.
(Fonte: Magnet/Reprodução)
Às 14h, ainda sem saberem sobre a catástrofe, os monarcas apareceram para receber a glória do público. A essa altura, os organizadores já tinham socorrido todos os feridos identificados e removido os cadáveres do campo, em uma operação massiva para parecer que absolutamente nada havia acontecido. A maneira como a programação do festival continuou normalmente e de acordo com o planejado — incluindo a apresentação da peça de teatro e o show de balões — fez com que muita gente que compareceu à festa sequer percebesse que uma tragédia havia acontecido no local.
Quando Nicolau II e Alexandra tomaram conhecimento do infortúnio, recusaram-se a comparecer a um baile que aconteceria na noite da mesma data na embaixada francesa, porém foram pressionados para que a ausência não resultasse em um conflito diplomático. No dia seguinte, ambos visitaram os hospitais onde as vítimas estavam e também ofereceram apoio financeiro a todas as famílias afetadas pelo evento.
(Fonte: Arvamus/Reprodução)
Assim que descobriram as proporções da tragédia, as autoridades russas fizeram o possível para ocultar qualquer vestígio do episódio, visando não manchar a reputação do czar nem criar uma animosidade pública ainda maior. Contudo, não foi o que aconteceu. Aparentemente, o monarca foi responsabilizado pelo povo russo por ter sido insensível, continuar o evento e ainda comparecer a uma dança real como se milhares de pessoas não tivessem morrido mais cedo.
A oposição aos Romanov rapidamente o intitulou de “Nicolau, O sangrento”. A tragédia de Khodynka não apenas chocou e revoltou o povo, como também foi o início do surgimento de um desejo de acabar com o regime que mantinha a população na miséria de sempre. Não estava claro naquele momento, mas certamente ali marcava a dissolução do absolutismo russo. Além disso, a catástrofe serviu como uma ilustração do que a falta de organização do governo considerado despreparado do czar causaria a ele mesmo.
E mais uma vez, a História fez o seu trabalho de responder por si só.