Ciência
06/08/2020 às 15:00•3 min de leitura
Entre novembro e dezembro de 1940, bombas contendo pulgas de peste bubônica foram lançadas sobre as cidades de Changde e Ningbo, na China, causando a morte de mais de 2 mil pessoas. Não foi a primeira vez que o exército japonês usou o país como alvo para as suas experiências secretas, porém nessa ocasião se tratava de um ensaio para bombardear os Estados Unidos.
Com o sucesso do ataque do Japão a Pearl Harbor em dezembro de 1941, a guerra se tornou uma certeza, algo que as forças militares japonesas desejavam desde o começo. Elas estavam preparadas para travar a mais sangrenta guerra contra a potência norte-americana e, depois de anos de estudos, a guerra biológica estaria no centro de tudo.
Tal como os norte-americanos, anos antes dos atentados de Hiroshima e Nagasaki, o Japão tinha planejado diferentes ataques de origem biológica, a fim de paralisar a população dos EUA. Em março de 1942, em cada 10 lançamentos, a Terra do Sol Nascente considerou detonar tonéis de pulgas transmissoras da peste bubônica no campo de batalha de Bataan, mas se rendeu antes de o plano entrar em andamento.
Dois anos depois, em julho de 1944, os japoneses se prepararam com a mesma arma biológica para atacar em algum momento da Batalha de Saipan. Felizmente para as forças norte-americanas, as pulgas foram mortas a caminho do campo de batalha quando o submarino americano Swordfish afundou o submarino japonês que transportava a praga.
Aconteceu de novo durante a Batalha de Iwo Jima, em 1945, quando o piloto japonês Shoichi Matsumoto recebeu ordens para enviar dois planadores e liberar a doença. Contudo, mais uma vez o plano falhou, pois as aeronaves decolaram e nunca chegaram ao destino.
De certa forma, os líderes japoneses ficaram satisfeitos com as duas tentativas fracassadas, pois não queriam arriscar atingir uma nação aliada durante o ataque aos americanos e sofrer com a possibilidade de retaliação. Portanto, o plano se tornou mais ousado: eles atacariam diretamente o território dos Estados Unidos.
Nascido em 15 de junho de 1892 em Shibayama, no Japão, Shiro Ishii pertencia a uma nobre família e sempre foi considerado intelectualmente talentoso demais para a sua idade. Depois que se formou em Medicina na Universidade Imperial de Quioto, foi designado ao exército em 1920.
Não demorou muito para que Ishii percebesse que não tinha tato para lidar com pessoas doentes e se voltasse para a área de pesquisa científica. Em meados de 1924, ele foi enviado para a ilha de Shikoku para estudar um surto que havia matado 3,5 mil pessoas, sobrecarregado os hospitais e causado caos e terror, além de paralisia na economia e no governo locais. Descobriu-se que era um novo tipo de doença transmitida por mosquitos: encefalite japonesa tipo B.
Ishii ficou surpreso com o efeito destrutivo da condição e pensou em como seria útil usar o poder de devastação dela contra os inimigos. Em 1930, com PhD em Microbiologia, o homem se tornou encarregado do Laboratório de Pesquisa em Prevenção de Epidemias, que deveria proteger as tropas japonesas contra doenças, mas serviu apenas para criar epidemias e usá-las como armamento biológico. Em 1936, Ishii se tornou oficialmente o diretor da bestial Unidade 731, após anos defendendo a criação de um programa de armas biológicas e desenvolvimento de guerra química.
Quando a Alemanha se rendeu e o Japão se preparou para enfrentar toda a atenção dos Estados Unidos, o imperador japonês Hirohito pediu que Ishii e os militares desenvolvessem um ataque biológico de longa distância forte o suficiente para minar a forças dos norte-americanos. Nos meses finais da Segunda Guerra Mundial, eles criaram a Operação Cherry Blossoms at Night (Flores de Cerejeira à Noite, em tradução livre), que visava devastar o sul da Califórnia.
A missão kamikaze exigiria muitos submarinos, aeronaves e homens para fazerem a instalação adequada das armas que carregariam a praga. Cinco submarinos I-400 de longo alcance, cada um transportando três hidroaviões Aichi M6A Seiran, deixariam a costa do Japão e viajariam pelo Oceano Pacífico com 20 das 500 novas tropas recrutadas pelo instrutor da Unidade 731, Toshimi Mizobuchi.
Assim que os submarinos chegassem à costa da Califórnia durante a madrugada, os militares japoneses que seriam sacrificados durante a missão equipariam um dos aviões e o conduziriam até San Diego, para que o inferno de chamas e doenças começasse.
Finalizada em 25 de março de 1945, a operação idealizada por Shiro Ishii estava marcada para acontecer em 22 de setembro daquele mesmo ano.
Logo após a aprovação da operação, o general Yoshijiro Umezu, chefe da marinha imperial japonesa, vetou tudo porque considerou que se tratava de algo muito arriscado e inviável no quesito logística. Além disso, ele pretendia dedicar os esforços à proteção das ilhas próximas ao Japão e não queria potencialmente sacrificar um de seus novos submarinos I-400.
A missão começou a ser reconsiderada meses depois, no início de agosto, assim que a marinha informou que havia alguns submarinos mais capazes de transportar a aeronave sem problemas significativos. O comandante responsável pelo exército da marinha de uma das subdivisões da Unidade 731 disse que apenas 3 submarinos I-400 ficariam prontos até 15 agosto, porém calculava que até 2 de setembro mais 3 estariam concluídos, não prejudicando o planejamento inicial do ataque.
Felizmente, quaisquer chances de execução da Operação Cherry Blossoms at Night terminaram com a rendição do Japão aos Estados Unidos em 15 de agosto daquele ano, pondo um fim na Segunda Guerra Mundial.
Apesar de haver um extenso debate em aberto sobre o quão perto a missão chegou de ser realizada, o que se sabe é que o Japão talvez tivesse grandes chances de sair vitorioso, causando uma reviravolta na história.