Ciência
04/02/2022 às 13:00•3 min de leitura
Em 1993, um grupo de arqueólogos russos encontrou um bloco gigante de gelo em uma tumba no planalto de Ukok, próximo à fronteira entre a Rússia e a China. Quando a equipe liderada pela dra. Natalya Polosmak, do Instituto de Arqueologia e Etnografia de Novosibirsk, decidiu derreter o bloco, acabaram encontrando uma múmia de 2500 anos com várias tatuagens em seu corpo. Apelidada de Donzela do Gelo, o corpo bem-preservado indicava rituais fúnebres feitos para alguém que tinha uma relativa importância em sua cultura.
A carcaça da Princesa do Gelo, com seu braço tatuado visível.(Fonte: Yuri Zaritovsky / Sputnik/ Reprodução)
A Donzela do Gelo fazia parte do povo Pazyryk, que consistia em várias tribos nômades que viviam nas montanhas de Altai, entre dos séculos VI e III a.C. De acordo com os pesquisadores, o corpo foi enterrado cerca de 3 meses após a morte e, durante esse período, a misteriosa mulher continuou tendo papel importante na cultura de seu povo. Por exemplo, os arqueólogos notaram vários traços em sua carcaça que indicavam que ela foi colocada em cadeiras antes de ser sepultada.
Além disso, o processo de embalsamamento demorado sugere que ela tinha um status importante em sua tribo. Contudo, os cientistas afirmam que ela não era uma princesa. Segundo Vyacheslav Molodin, da Academia Russa de Ciências, não é correto atribuir esse termo nobre a ela, pois a mulher era uma representante da camada intermediária da sociedade Pazyryk.
(Fonte: Wikimedia Commons)
Contudo, isso não é um consenso, pois há especialistas que destacam que a forma como ela foi enterrada caracteriza alguém com alguma ligação com a realeza. Por exemplo, ela estava usando seda e, além disso, dois cavalos foram sacrificados para o enterro.
Os especialistas russos que estudaram o corpo mumificado dizem que ela passou por um processo cuidadoso de preparação, já que foi embalsamada com casca de árvore e turfa. O cabelo dela tinha sido raspado, mas quando foi enterrada usava peruca e um chapéu. A sua estatura era a de uma mulher baixa, com 1,67 cm de altura. Várias de suas tatuagens tribais permaneceram em sua pele pálida, a exemplo de criaturas com chifres e algumas formas florais.
Apesar de todos esses detalhes, o túmulo da Princesa do Gelo não era tão grande nem tão decorado quanto o dos nobres da cultura Pazyryk encontrados na mesma região. Porém, o aspecto mais significativo aqui é que ele está situado a uma distância relativa dos demais túmulos de sua tribo.
A reconstrução do enterro da Princesa do Gelo. (Fonte: Museu Nacional de Altai/ Reprodução)
Para os arqueólogos, isso permite saber ainda mais sobre quem foi a múmia. Em várias culturas antigas, os túmulos de mulheres que ficavam distantes dos outros eram em decorrência da posição que elas ocupavam. Segundo os pesquisadores, essa múmia, provavelmente, atuava como uma xamã ou curandeira, sendo bem possível que tenha adotado o voto de celibato.
Os arqueólogos dessa descoberta acreditam que as tatuagens da Donzela do Gelo tinham alguma relação com sua idade, seu status e sua função social. De acordo com Natália Polosmak, os desenhos na pele eram considerados símbolos de beleza e diziam a qual grupo a pessoa fazia parte, ou seja, não é muito diferente da finalidade das tatuagens que fazemos hoje.
Isso ajuda a explicar por que a primeira tatuagem da múmia foi feita no ombro direito: um local que é facilmente visto, tornando a mulher mais atraente. Aliás, ambos os braços foram tatuados, no entanto, a do ombro esquerdo, que lembra o bico de um grifo, foi a mais bem preservada no decorrer dos séculos. Também há desenhos de um leopardo da neve e de ovelhas.
(Fonte: Siberian Times)
Para os arqueólogos, marcar a pele com estilos de animais sugere que a múmia tinha uma herança cita (povo nômade que vivia nas estepes da Eurásia durante os séculos VII e III a.C.), já que existem várias obras de arte dessa cultura com desenhos semelhantes às tatuagens e que foram descobertas em regiões da Europa, Rússia e Ásia Central.
Análises químicas comprovaram que a Princesa do Gelo inalava com frequência vapores que continham cobre e mercúrio, o que possivelmente estava relacionado aos ritos que realizava. Esses vapores eram prejudiciais à saúde dela, mas não a ponto de matá-la. Então, do que ela morreu?
O mistério da morte da Princesa do Gelo só foi solucionado em 2010 graças a uma tomografia computadorizada. De acordo com o exame, a jovem, que tinha apenas 25 anos quando faleceu, sofria de câncer de mama — que a matou em 3 anos, aproximadamente.
Uma reconstrução artística da imagem da 'Siberian Ice Maiden'. (Fonte: Ekaterina Shardakova/ Russia Beyond/ Reprodução)
Pesquisas com o ácido desoxirribonucleico (DNA) realizadas nos restos da múmia também indicaram que ela tem uma conexão genética muito próxima com os povos Selkup e Ket, tribos nativas da Sibéria que ainda hoje vivem na Rússia.