Ciência
29/09/2022 às 10:10•2 min de leitura
Em 1940, Walt Disney lançou Pinóquio e popularizou a história do boneco que queria se tornar um menino de verdade. A segunda animação do estúdio — a primeira havia sido Branca de Neve e os Sete Anões, lançada dois anos antes — era repleta de magia, aventura e terminava com uma bela lição de moral.
Porém, muito pouco disso está presente no livro de Carlo Collodi. O escritor italiano foi muito mais agressivo em sua história — como a maioria dos contos de fada —, na qual Pinóquio é um boneco malandro e chega a matar o Grilo Falante.
Collodi publicou sua história entre julho de 1881 e janeiro de 1883 em um jornal infantil italiano. A trama foi bastante influenciada pela situação econômica e social da Itália. Escrita 20 anos depois da reunificação italiana, Pinóquio reflete os problemas econômicos que muitas pessoas enfrentavam no país.
Ainda em 1883 foi lançada uma edição que compilava todos os capítulos da história com o título As Aventuras de Pinóquio. O texto original deixa bem evidente a maneira como Collodi era uma pessoa desiludida. Embora exista uma busca por algo encantado, o livro é dominado pela desesperança do autor.
Um bom exemplo disso é o primeiro final que Collodi escreveu para a história. A trama acabou repentinamente, com Pinóquio enforcado e a Raposa e o Gato roubando suas moedas de ouro. Collodi só seguiu com a história alguns meses depois, após as inúmeras cartas enviadas para o jornal, que exigiam que a aventura de Pinóquio continuasse.
Ilustração do primeiro fim trágico de Pinóquio.
Uma das características mais evidentes do livro é a ambiguidade dos personagens. Diferente do que é visto na animação da Disney, no texto de Collodi ninguém é puramente bom ou mau. O próprio Pinóquio, que comete vários erros durante a história, tem um senso moral que o faz perceber que está seguindo pelo caminho errado.
O resultado disso é um personagem que amadurece ao longo das páginas. É uma história universal e é fácil se reconhecer em diversos momentos dela. Além disso, o impacto da pobreza na vida das pessoas deixa a história mais verdadeira. Gepeto, o pai do Pinóquio, é pobre e sofre com as dificuldades financeiras. Além disso, ele é visto como uma pessoa bastante cruel com as crianças — embora o livro o descreva como um velhinho gentil.
Collodi escreveu uma história que hoje pode ser considerada pesada, mas no final do século XIX, para os italianos, era algo bem próximo da realidade. Por esse motivo, mesmo sendo um livro infantil, As Aventuras de Pinóquio também é um retrato do quão cruel a sociedade pode ser, principalmente para uma criança.
Apesar das mudanças, a animação também conta com cenas inusitadas.
Pouco tempo depois de ser introduzido na história, o Grilo Falante é morto pelo Pinóquio com um martelo de madeira. Naturalmente, Walt Disney sabia que essa cena não poderia aparecer na sua animação — assim como uma boa parte da história original.
Não menos traumático é a relação da Fada Azul com o Pinóquio. Muito mais mórbida, as lições que ela ensina ao boneco de madeira são bastante traumáticas. Em determinado momento, ela se finge de morta e faz o Pinóquio acreditar que ele é o culpado.
Mesmo o final do livro, quando o Pinóquio vira um menino de verdade, tem diferenças e é muito mais soturno. Ele vai ao País dos Brinquedos, onde ninguém é obrigado a estudar. Porém, isso faz com que todos lá se transformem em burro. Pinóquio é mais uma vez morto, até que os leitores descobrem que aquilo tudo era apenas um sonho. A Fada Azul aparece e dá a última lição ao Pinóquio, que acorda como um menino de verdade.