Ciência
29/03/2023 às 02:00•3 min de leitura
Guerras muitas vezes dependem da bravura e ousadia de alguns homens para definirem seus resultados e na Primeira Guerra Mundial as coisas não foram diferentes. Além de todos os soldados que participaram diretamente dos confrontos, há um grupo do qual não se fala muito, mas que foi crucial para o lado dos Aliados: os homens-toupeira.
Ok, você já ouviu falar de soldados de infantaria, atiradores de elite e coisas do gênero, mas quem seriam os homens-toupeira?
Os homens-toupeira integravam uma unidade conjunta especial formada por escavadores canadenses, australianos, irlandeses e britânicos. A função desse grupo era basicamente uma: abrir túneis por baixo de áreas das forças inimigas com o intuito de surpreendê-los com ataques que muitas vezes envolviam explosões.
Esses escavadores foram cruciais para romper um impasse na região do Ypres, em 1917. Para isso, era preciso tomar as posições elevadas controladas pelos alemães e que ofereciam a vantagem de observar como as defesas britânicas estavam posicionadas.
Homens-toupeira chegavam a trabalhar 12 horas por dia e recebiam um salário que, atualmente, seria o equivalente a US$ 22 - um soldado comum ganhava muito menos que isso. (Fonte: História Militar em Debate/Reprodução)
Foi aí que os escavadores entraram em ação. A missão desses homens era cavar um túnel por baixo das faixas de terra para tentar criar um caminho que terminasse atrás das linhas inimigas. Essa tática, aliás, já tinha sido usada anteriormente contra os Aliados em 1914. Neste ataque, 10 minas de 50 kg foram detonadas, gerando pavor entre os soldados não apenas pelas centenas de mortes, mas por não saberem exatamente de onde viria o próximo movimento adversário.
Com uma ideia parecida em mente, os homens-toupeira entraram em ação para criar uma ofensiva surpresa na preparação para a batalha de Messines. O objetivo era gerenciar a colocação de 22 poços de minas abaixo das linhas alemãs e detonar todas no dia 7 de junho de 1917.
Para que esse plano tivesse o resultado esperado, as escavações começaram em 1915, mas em nenhum momento foi uma tarefa fácil.
"A maioria dos escavadores era de mineiros de carvão ou ouro com muita experiência em escavação. A ideia era passar por baixo das linhas do seu oponente e explodir minas. Foi uma experiência muito estressante, especialmente quando você se aproximava de suas linhas e sabia que o inimigo poderia explodir uma mina perto de seu eixo para destruí-la", explicou Ian McGibbon, ex-editor geral do Ministério da Cultura e Patrimônio da Nova Zelândia e co-editor da Grande Guerra da Nova Zelândia: Nova Zelândia, os Aliados e A Primeira Guerra Mundial.
Uma das crateras criadas pela ofensiva dos Aliados durante os confrontos em Messines. (Fonte: Simon Jones Historian/Reprodução)
Um detalhe curioso em toda essa história é que esses homens não utilizavam picaretas ou coisas do gênero para escavar os túneis. Em vez disso, eles se apoiavam em cruzes de madeira presas entre toras de madeira e cavar utilizando uma pá que removia a terra com as forças dos pés - método conhecido como Clay Kicking.
Por mais que essa ideia possa parecer maluca, esse método permitia cavar em uma velocidade muito maior se comparado aos meios convencionais. O processo todo funcionava assim: enquanto uma pessoa cavava, um segundo parceiro era responsável por recolher os sedimentos em sacos e repassá-los para uma terceira pessoa, que carregava esses sacos para fora utilizando um carrinho.
Entretanto, o exército inimigo também estava de olho em técnicas parecidas, e utilizou escavadores para criar um caminho pelo outro lado. Dessa forma, sempre havia a tensão de abrir um buraco ao mesmo tempo que o adversário e acabar entrando em um confronto que só terminaria com a morte dos mineiros do outro grupo.
Com o passar do tempo, os homens-toupeira também encontraram em seu caminho outro problema: gases venenosos que causavam envenenamento por monóxido de carbono. Muitos desses bravos "combatentes" morrerem dessa forma, e para tentar se prevenir alguns deles começaram a levar canários para os túneis. Como eles eram afetados pelo monóxido de carbono primeiro, isso daria aos trabalhadores uma chance de correr para salvar suas vidas.
Mesmo com esses perigos, os trabalhadores conseguiram cumprir a missão de cavar todos os túneis previstos abaixo das linhas do front alemão, sendo que alguns deles ficavam a 38 metros de profundidade e tinham mais de 610 metros de extensão. Todos esses buracos foram preenchidos com explosivos posteriormente — 500 toneladas para ser mais exato.
Um dos bunkers alemão que foi destruído após a detonação das minas que estavam no subsolo durante a batalha do Messines. (Fonte: Simon Jones Historian/Reprodução)
Foi então que, na madrugada do dia 7 de junho, as minas foram detonadas com intervalos de 20 segundos entre uma e outra. A força dessa explosão era tanta que os corpos dos soldados alemães foram lançados para o ar sem muito esforço, e aqueles que não morreram pela explosão acabaram soterrados ou feridos.
Estima-se que 10 mil soldados alemães tenham morrido nesse ataque, e outros 7.200 ficaram feridos. Aliás, a explosão causada por essas minas foi tão grande que podia ser ouvida à grandes distâncias, sendo superado apenas pela grande explosão das bombas nucleares na Segunda Guerra Mundial.
Dessa forma, os homens-toupeira, que em sua maioria eram baixinhos e não recebiam nenhum treinamento de batalha, mostraram seu valor para uma das vitórias mais importantes dos Aliados na Primeira Guerra Mundial - afinal, com esse ataque subterrâneo os soldados britânicos dominaram as colinas de Messines rapidamente e puderam avançar em sua estratégia ofensiva.