Artes/cultura
12/04/2023 às 04:00•3 min de leitura
Quantos golpes podem existir dentro de um golpe? No Brasil, tivemos o golpe militar de 1964, que retirou o poder das mãos dos civis com a justificativa ilusória de nos salvar do comunismo.
Alguns militares, como o próprio presidente Castello Branco, defendiam devolver o poder aos civis no curto prazo. Mas aí aconteceu o primeiro golpe-dentro-do-golpe: a eleição de Costa e Silva, da chamada "linha-dura", que defendia uma ditadura ainda mais agressiva. Costa e Silva foi o responsável pelo AI-5 (Ato Institucional n.º 5) e elegeu seu sucessor, Emílio Médici — que comandou os "anos de chumbo".
Já Ernesto Geisel, que sucedeu Médici, pertencia ao grupo de Castello Branco. Por isso, desde sua eleição em 1974, ele falava sobre um processo de abertura "lenta, gradual e segura". E isso incluía a diminuição da censura, denúncia de torturas e maior participação de civis no governo.
Em 1977, ele já estava planejando a indicação de João Baptista Figueiredo para sucedê-lo, mas afirmava que o assunto só seria tratado no ano seguinte. Enquanto isso, os planos de abertura de Geisel continuavam desagradando a linha-dura. Isso levou o general Sylvio Frota — Ministro do Exército, que fazia parte do grupo — a se colocar como candidato à presidência.
O general Sylvio Frota, que tentou dar o golpe contra Geisel (Fonte: Wikimedia Commons)
Naquela época, a linha-dura dos militares estava cometendo cada vez mais excessos. Em São Paulo, por exemplo, o general Ednardo D'Avila Mello esteve de alguma forma envolvido no assassinato do jornalista Vladimir Herzog e do operário Manoel Fiel Filho — mortos dentro do DOI-CODI, em circunstâncias suspeitas, sob "cuidados" dos militares.
Os casos estimularam Geisel a demitir Ednardo, que era próximo a Sylvio Frota. A partir disso, vários outros casos continuaram acirrando as tensões entre eles, nos meses seguintes.
Em agosto de 1977, por exemplo, o deputado Carlos Alberto de Oliveira quase subiu à tribuna da Câmara para defender a candidatura de Frota, mas foi contido a tempo. Em outubro, Jayme Portella também foi à Brasília defender o "frotismo". Pouco antes disso, mais um jornalista havia sido preso, contrariando ordens do presidente Geisel — que defendia que só "os subversivos mais perigosos", nas palavras dele, fossem detidos.
Conforme as discordâncias se acumulavam, Geisel e seus aliados perceberam que a situação estava se tornando insustentável. Um golpe para tirá-lo do poder era iminente.
Em 10 de outubro de 1977, ele chamou seu ministro-chefe do Gabinete Civil, Golbery do Couto e Silva, para comunicar seus planos de exonerar Sylvio Frota e desarticular a tentativa de golpe dentro do golpe. Assim como Geisel, Golbery era do grupo dos militares mais moderados — já tinha se oposto à eleição de Costa e Silva 10 anos antes.
E já que estamos falando de Sylvio Frota, duas curiosidades sobre ele chamam atenção: ele é tio-avô do ex-deputado Alexandre Frota, que durante muito tempo defendeu o regime quase-militar de Jair Bolsonaro. O ex-presidente também tinha o general Augusto Heleno como aliado de primeira hora — Heleno foi ajudante de ordens de Sylvio Frota.
Geisel com Golbery do Couto e Silva, que o ajudou a desarticular o Golpe de 1977 (Fonte: Reprodução)
No dia 11 de outubro, Geisel agiu. Ele chamou os comandantes dos quatro exércitos do Brasil, que eram leais a ele, e comunicou a exoneração de Sylvio Frota — que, até aqui, não sabia de coisa alguma. Também pediu que Golbery do Couto e Silva mantivesse os responsáveis pelo Diário Oficial da União de sobreaviso: a demissão de Frota seria publicada no dia 12.
Às 7h da manhã de 12 de outubro de 1977 — que só se tornaria feriado nacional de Nossa Senhora Aparecida em 1980 —, o presidente Geisel chamou Sylvio Frota para exonerá-lo. Ele tentou convencer Frota a se demitir, o que ele recusou. Depois disso, Geisel disse que não poderia confiar mais nele e mandou o Diário Oficial publicar a exoneração.
Sylvio Frota ficou furioso e redigiu um manuscrito de oito páginas acusando o governo de ter comunistas infiltrados. Ele pretendia distribuir esse documento pelos quartéis para estimular seu golpe-dentro-do-golpe. Mas Geisel já tinha se prevenido, afastando dezenas de militares que seguiam as mesmas ideias de Frota.
Ao fim de outubro, os militares mais radicais estavam isolados e o golpe estava desarticulado. No ano seguinte, Geisel revogou o AI-5 e João Baptista Figueiredo foi eleito, aprovando a Lei da Anistia — duramente criticada por Frota como obra de "comunistas infiltrados", ainda que a lei perdoasse os crimes e as torturas cometidas pela própria ditadura.
Em meados da década de 1980, o processo de redemocratização — que acabou sendo bem lento, como Geisel pretendia — foi concluído.