Ciência
19/05/2023 às 12:17•2 min de leitura
Existem muitos motivos para realizar marchas e protestos, lutando por uma causa, pleiteando direitos ou expressando insatisfação contra algo. Porém um movimento contra um instrumento musical pode parecer um pouco inusitado, não? Ainda assim, isso aconteceu aqui no Brasil, em 17 de julho de 1967.
A Marcha contra a Guitarra Elétrica tinha como objetivo defender a música brasileira de todas as influências internacionais que estavam surgindo na época. O instrumento, muito típico do rock dos Beatles e dos Beach Boys, era o símbolo da "contaminação" da música brasileira.
O movimento foi liderado pela lendária cantora Elis Regina, junto com nomes como Zé Keti, Jair Rodrigues e Geraldo Vandré e até Gilberto Gil. Naquela segunda-feira de 1967, o grupo saiu com uma enorme faixa, com os dizeres "Frente Única da Música Popular Brasileira", pelas avenidas de São Paulo. Saíram do Largo São Francisco e foram até o Teatro Paramount.
Lá, eram gravados os programas musicais da TV Record — muito antes dela ser comprada pela Igreja Universal, vale dizer. É com esse detalhe que podemos começar a entender de onde Elis Regina tirou a ideia de uma passeata contra um instrumento.
Erasmo Carlos, Wanderléa e Roberto Carlos, os expoentes da Jovem Guarda (Fonte: Wikimedia Commons)
Os Beatles foram o maior nome da música pop mundial nos anos 1960, com uma influência que pode ser observada até hoje. Assim que o filme A Hard Day's Night foi lançado por aqui, com o título de Os Reis do Ié-Ié-Ié, o Brasil entrou nesse movimento do rock jovem.
A TV Record percebeu o potencial desse estilo musical e lançou o programa Jovem Guarda, em 1965. Roberto Carlos, que já fazia sucesso com esse estilo musical, se tornou o principal nome do movimento — junto com os amigos Erasmo Carlos e Wanderléa. Além das versões dos Beatles e de outras bandas gringas, os amigos criavam as próprias, incluindo influências do rock norte-americano e da gravadora Motown.
Porém, a música dos artistas da Jovem Guarda ia numa direção diametralmente oposta à da MPB de Elis Regina — que apresentava o programa O Fino da Bossa, com Jair Rodrigues, na mesma TV Record. Conforme a audiência da Jovem Guarda subia, a d'O Fino caía. Então, Elis resolveu agir para defender o que ela acreditava ser a integridade da música brasileira.
Vale lembrar que a Jovem Guarda era criticada, além disso, por ser uma música extremamente comercial e alienada, no contexto dos primeiros anos da ditadura militar.
Elis Regina e Jair Rodrigues, na Marcha contra a Guitarra Elétrica (Fonte: Gazeta de SP/Reprodução)
Para solucionar a briga entre Jovem Guarda e MPB, a TV Record resolveu criar um terceiro programa musical: Frente Ampla da MPB. Ele reuniria artistas de todas essas vertentes, com Elis Regina e Jair Rodrigues inclusos.
Há quem diga que, na verdade, a marcha não passou de uma "jogada de marketing" de Elis para chamar atenção para seu programa de TV. Mas, em entrevista, Caetano Veloso afirmou que ela levou o movimento à sério. Ele, inclusive, critica a participação de Gilberto Gil, que estaria ali meio a contragosto.
Para Caetano, que assistiu a tudo horrorizado do alto de um prédio, ao lado de Nara Leão, aquilo parecia um movimento fascista. Logo depois disso tudo, Caetano, Nara e o próprio Gil estariam entre os fundadores da Tropicália — movimento que mergulhou fundo na mistura de música brasileira com influências estrangeiras, incluindo a guitarra elétrica.
E a realidade é que os próprios membros da Jovem Guarda pretendiam criar obras artísticas menos comerciais — indo ao encontro dos anseios de Elis Regina. Roberto Carlos saiu do tal programa em 1968, praticamente pondo fim a esse movimento. Nos anos seguintes, a cantora ainda gravaria canções de Roberto e Erasmo, se redimindo da pataquada de 1967.