Ciência
08/06/2023 às 09:00•2 min de leitura
Durante o século XVIII, na Europa, eram muito comuns as mortes causadas por doenças que ainda não tinham cura e por incêndios, cuja frequência aumentou muito nesse período. Em uma época em que a medicina ainda era muito limitada, não havia salvação para combater doenças mortais, como cólera, escarlatina, febre tifoide e varíola. Com isso, a expectativa de vida das mulheres era de 42 anos e a dos homens, no máximo 40 anos.
A Revolução Industrial tornou os incêndios pela Europa, sobretudo em Londres, um problema diário. Para afastar as baixas temperaturas, a queima domiciliar não regulamentada de carvão contribuiu para a poluição do ar da metrópole em desenvolvimento e também resultou em queimadas em larga escala devido à falta de traquejo com as chaminés e os restos de carvão.
Mas houve uma vez em que pessoas morreram durante incêndios de grande proporção, mas não por causa de fogo, e sim de whiskey. Esse foi o caso do Grande Incêndio do Whisky em Dublin.
(Fonte: Firecall/Reprodução)
Tudo aconteceu em 18 de junho de 1875, quando um incêndio, cuja causa permanece desconhecida, começou no Malone’s, uma maltaria localizada na Chamber Street, uma região conhecida como The Liberties, em Dublin. Naquele tempo, a área era bastante povoada e abarrotada de casas geminadas que abrigavam famílias muito pobres.
O depósito do Malone’s continha mais de 5 mil barris de whisky que ainda seria diluído antes do consumo para se tornar mais palatável. Ou seja, tratava-se quase de álcool etílico puro. Quando os barris estouraram, seu conteúdo inflamável foi derramado pelas portas e janelas do depósito, inundando as ruas estreitas e íngremes da Chamber Street antes de, eventualmente, pegar fogo.
Apesar de uma coluna de fogo de quase 10 metros de altura lamber tudo pelo caminho, cerca de 13 pessoas morreram não por queimaduras ou inalação de fumaça, mas por envenenamento por álcool. Os dublinenses sedentos bebiam whisky do solo sujo, morrendo devido à concentração industrial do produto.
(Fonte: Gruene Insel/Reprodução)
Enquanto os cidadãos tombavam mortos pelas calçadas, a cena pavorosa piorava com diversos animais, como burros, cabras e vacas, correndo em chamas. Inclusive, uma vez que o incêndio aconteceu de madrugada, se não fosse pelos guinchos altos e agonizantes dos porcos sendo queimados vivos, acredita-se que mais pessoas teriam perecido na tragédia.
A obsessão pela bebida alcoólica foi tamanha para alguns que, mesmo durante o trabalho dos bombeiros, que levavam pedras de pavimentação para que pudesse assentar o fluxo do whisky, juntando pilhas de areia e esterco de cavalo para parar o fogo, os bêbados enfrentavam as chamas para beber um último gole ou coletar o líquido para vender.
(Fonte: GettyImages/Reprodução)
Após o incêndio, uma arrecadação foi feita para ajudar as vítimas e também foi aberto um debate sobre a aceitação de padrões de segurança contra incêndio. Foi assim que novas leis e normas de segurança foram implementadas para Dublin e a indústria irlandesa de whisky.
Antes da fatalidade, havia resistência até mesmo à ideia de manter uma brigada de incêndio na cidade, porque as pessoas acreditavam que o custo do serviço não era distribuído de forma justa entre a população. O incêndio mostrou para as pessoas a importância de um corpo de bombeiros treinado e a postos. Inclusive, as destilarias de whisky chegaram a investir na criação das próprias unidades de combate a incêndio.
Muito embora tenha sido um horror o Grande Incêndio do Whisky, o legado do acontecimento foi visto por muitos quase como uma piada, reforçando estereótipos negativos sobre os irlandeses, a classe trabalhadora e seu desespero por uma "bebidinha".
A Dublin da modernidade, no entanto, apesar de seu envolvimento cultural com a bebida, mudou drasticamente sua relação com ela. Em muito isso se deve à crise no custo de vida e o foco no autocuidado.