Ciência
14/07/2023 às 04:00•2 min de leitura
A predominância de visões androcêntricas, que colocam o homem no centro dos acontecimentos, ainda é uma constante, como nos mostra o enfoque que costuma ser dado a determinados eventos históricos. Mas graças aos avanços no campo da arqueologia de gênero, que passou a ganhar um maior espaço a partir dos anos 1980 e busca sanar falhas de pesquisa, isso pode mudar.
Como exemplo do seu papel, temos um caso bastante interessante envolvendo o "Homem de Marfim", uma figura que teria vivido há cerca de 5 mil anos, no período da Idade do Cobre, numa região que hoje corresponde a Espanha. Acredita-se que ele tenha morrido jovem, com idade entre 17 e 25 anos.
E considerando a tumba onde essa figura teria repousado, repleta de objetos de luxo, tudo indicava que não só ela teria ocupado a mais alta posição dentro da sociedade, como ainda teria sido reverenciada por séculos após a sua morte. E é aí que entra o elemento surpresa: segundo um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade de Sevilha, nem tudo o que foi descoberto a seu respeito estaria correto.
Nova representação destaca a liderança feminina na antiguidade. (Fonte: Nature/Reprodução)
Isso porque uma nova análise revelou que o esqueleto batizado de "Homem de Marfim" não seria de um homem, mas de uma mulher, contrariando o que foi anunciado em 2008. Para chegar a esse resultado, os pesquisadores fizeram uso de uma técnica mais precisa que permite identificar o sexo biológico a partir da análise do esmalte dental.
Assim, por meio de uma proteína chamada amelogenina, seria possível determinar que os restos mortais seriam correspondentes ao sexo cromossômico masculino, no caso do gene AMELY ser identificado, ou feminino, quando o gene AMELX é detectado. No caso em questão, a análise dos dentes molar e incisivo apontou para o gene AMELX.
Inclusive, há alguns elementos que corroboram a hipótese que essa mulher não teria sido escolhida em virtude de sua posição social, mas sim por méritos próprios. A análise dos ossos da "Dama do Marfim" indica que ela teria se dedicado a trabalhos que exigiam bastante fisicamente, mostrando que mesmo no papel de liderança, ela contribuía ativamente na realização de tarefas.
Prato de cerâmica e objetos de marfim, dentre outros itens, foram encontrados na tumba da "Dama de Marfim" (Fonte: Nature/Reprodução)
Na busca por mais informações sobre aquela antiga sociedade, outras descobertas ocorreram: em um cemitério próximo do local que foi foco das investigações, havia outros 15 esqueletos do sexo feminino numa tumba, e artefatos exóticos também teriam sido recuperados, indicando que elas teriam tido grande importância.
Além disso, exames das sepulturas de crianças sugerem que as posições hierárquicas não seriam transmitidas entre gerações naquele período, uma vez que objetos funerários não foram localizados.
O estudo ainda revelou que nenhum outro homem teria ocupado uma posição mais elevada, como apontam as comparações das tumbas analisadas, demonstrando como mesmo nos períodos mais antigos, as mulheres conquistaram uma notável participação política na sociedade.
Sob um ponto de vista, o trabalho realizado evidencia o quanto a identificação do sexo de esqueletos antigos, geralmente mal preservados, tem apresentado falhas graves, mas ao mesmo tempo, abre as portas para que novas descobertas nesse sentido ofereçam uma melhor compreensão do passado.