Artes/cultura
20/09/2023 às 02:00•2 min de leitura
Protagonistas de vários filmes e séries de TV, as bruxas dos dias atuais ganharam glamour e perderam muitas das características que as colocavam como mulheres malignas e manipuladoras das forças do mal. Fruto de uma mentalidade binária, as bruxas milenares eram apresentadas como mulheres velhas, feias e, na maioria das vezes, com imperfeições na pele, como verrugas.
Nesse sentido, os crescimentos cutâneos funcionariam como uma das famosas "marcas do demônio" buscadas pelos inquisidores entre os séculos XIV e VII, para comprovar a denúncia de bruxaria. No caso, esses registros dermatológicos eram lidos, ao bel-prazer dos religiosos da época, como marcas de degeneração moral, assim como os olhos esbranquiçados (cataratas).
Padronizado em toda a Europa e também em algumas colônias ibéricas, o procedimento inquisitorial determinava que muitas vezes o próprio carrasco despisse as acusadas, para que ele manuseasse seu corpo em busca de excrecências, cicatrizes e verrugas. Embora se procurassem associações com o diabo, as investigadas eram sempre mulheres, demonstrando o estereótipo misógino da cultura.
(Fonte: Getty Images)
Essas perseguições, bizarras aos nossos olhos, eram baseadas em uma crença inabalável na bruxaria e no poder do demônio. Segundo o medievalista Michel Pastoureau, autor do livro Verde: história de uma cor, na Idade Média "o imaginário é uma realidade". A afirmação permite que o imaginário, filtro de experiências, molde a realidade percebida.
Embora tenhamos caminhado bastante desde a Idade Média, ainda continuamos dando crédito a certos estereótipos, através dos quais filtramos grande parte das nossas experiências e do nosso aprendizado. No entanto, apesar das culturas ocidentais se pautarem por paradigmas científicos, continuamos acreditando nas verdades emanadas por uma autoridade no assunto.
Da Idade Média ao Iluminismo, essa autoridade era exercida com bastante habilidade pelo clero. Com base em sua interpretação dos textos sagrados, os sacerdotes exerciam uma influência extraordinária na forma de se aplicar a justiça, no tecido social e, o que é mais trágico, na vida privada de pessoas que não se enquadravam ao "status quo" vigente.
(Fonte: Getty Images)
Quando os europeus começaram efetivamente a caçar bruxas no século XV, o objeto desse imaginário eram mulheres que não se encaixavam nos preceitos de sua época, mas não por seu desejo. Eram geralmente pobres viúvas solitárias vistas como suspeitas pelos vizinhos, ou curandeiras que vendiam remédios para seu sustento, ou até mesmo mendigas peregrinas.
E qual era a transgressão social dessas mulheres ameaçadoras? Simplesmente, não estar sob a proteção de alguma figura de autoridade masculina, seja pai, marido ou filho.
Felizmente, o século XVII trouxe uma lufada de ar nessa cultura de julgamentos e cancelamentos literais. O Iluminismo ajudou a derrubar superstições e determinar que mulheres, mesmo sem homens e com verrugas, não eram necessariamente bruxas.